(Foto tirada em Chicago - 2016)

ALGUNS SEGREDOS DA ALMA

Quantos segredos guardam nossa alma! Sempre a espreita, parece um cofre onde guarda os nossos mais íntimos segredos.
O ser humano é privilegiado por ter o poder de seus pensamentos e sentimentos. As vezes me pego olhando as pessoas e tentando imaginar o que estão pensando ou sentindo. Cada um, com uma alma característica, muitas vezes escondem dores que jamais serão descobertas.

Quando fui para Chicago ha 4 anos atras, sai do Consulado Brasileiro  e fiquei andando pelas ruas, fazendo hora, ate que meu ônibus saísse. Entrei então num Shopping muito bonito, sentei numa poltrona muito aconchegante e fiquei a observar as pessoas.
(Uma das coisas que eu mais gosto).
Entravam e saiam, umas vestidas sofisticadas, outras simples. Um casal parou na minha frente, o filhinho corria pelas lojas, estava aprendendo a andar. E andava e caia. E os dois olhavam para o filho com aquele olhar de orgulho.

Imediatamente lembrei-me quando minha filha andou pela primeira vez. Estávamos meu marido e eu, na Lavanderia do apartamento em Detroit, e de repente ela, que estava sentadinha no chão, levantou-se e saiu trôpega, deu três passinhos e caiu no chão. Jamais vou esquecer o olhar que  trocamos. E o sentimento que tivemos naquele momento.

Assim somos nós, vamos pela vida colecionando sentimentos.

Sai do shopping e vi um "Starbucks", eu não havia tomado café ainda, e eu sabia que lá poderia conectar meu laptop. Na frente do lugar, havia um homem  pobre, sacudindo uma latinha. Todo falante, saudava todos que passavam: "How are you today, Mam? Can I help you?" E todos que entravam no Starbucks, ele abria a porta, sempre com a latinha na mão.
Quando entrei, fiz meu pedido e  sentei na janela que dava para a rua, saboreando  meu café, e um muffin de banana que havia comprado. E fiquei a observar aquele homem. Ele parecia tão feliz, muito mais feliz do que eu, sacudindo sua latinha, cumprimentando as pessoas.

De repente saiu um homem do Starbucks, e jogou algo no lixo. O mendigo se aproximou, e enfiou sua mão no lixo, pegou a metade de um sanduiche já comido, e um resto de café do copo. Tomou o café e comeu aquela metadinha como se fosse o manjar dos deuses.
Percebi que meu muffin já não tinha o mesmo gosto. Fiquei a olhar aquele homem, e pensar...fosse ele quem fosse...estava comendo restos do lixo.
Guardei a metade do meu muffin, e abri meu laptop. Chequei meus emails, sempre olhando para fora, e observando aquele homem. Quando ele ria, mostrava apenas um dente na frente.

Alguns o ignoravam, outros colocavam uma moedinha na latinha.
Antes de sair, levantei e comprei um sanduiche de pao com queijo e presunto,  e um café. Ao me ver saindo, o homem veio abrir a porta (a procura de algumas moedinhas, claro). Estendi para ele o saquinho.
Ele me olhou e disse: "Quer que eu segure para a sra"? Eu disse:"Não, é seu comprei para voce". Ele pegou o café  e disse:"Nossa moca, tá fumegando! Obrigada!".  Largou a porta de repente e sentou-se num murinho, comendo tão prazerosamente aquele sanduiche, dando  goles cuidadosos no café fumegante.

Isso me fez lembrar (uma coisa foi ligando a outra) uma das vezes que fui com minha filha para o Brasil, ela tinha 7 anos. Fomos andar no centro de S.Jose dos Campos, e perto do Forum, bem no centro, havia uma mulher  pobre dando leite no peito a uma criancinha. Minha filha nunca havia visto isso na vida, e ficou petrificada. Parou em frente da mulher, e ficou a olha-la. Aqui nos Estados Unidos, onde moro, é dificilimo ver esse tipo de coisa nas ruas. Viu que algumas pessoas colocavam dinheiro numa caixa que tinha em frente dela. Ela olhou para mim e disse:"Mãe, você tem dinheiro?" Tirei da bolsa e dei para ela, que colocou na caixinha sem desgrudar os olhos da mu lher. Sei que aquilo impactou muito minha filha, que vivia num mundo, onde nunca havia visto tal miséria. Dois anos depois fomos novamente para o Brasil e ela disse:"Mãe, vamos na cidade, quero ver se aquela mulher ainda esta lá".

Continuei minhas andanças por Chicago. Uma cidade cinzenta e triste.

Dei sinal para um táxi (já estava na hora de ir para a Union Station onde pegaria o trem). Parou um táxi, um motorista hindu. Sei que tenho um tremendo sotaque, mas tenho uma tremenda dificuldade de entender os hindus quando falam Inglês, principalmente palavras que tenham a letra "R". Um homem mal educado, sem paciência, cortava  transito xingando um ou outro... e virava para mim e dizia um monte de coisas que eu não entendia, mas eu so sorria. Afinal, descobri que o sorriso tem um  poder ilimitado, aquele assim meio tímido, como concordando ou discordando, seja lá o que ele queira... o sorriso é um passaporte universal.

E quando vi esse motorista, lembrei-me da ultima vez que fui ao Brasil. Peguei um táxi, e conversando com o motorista perguntei se ele ja havia sido assaltado. Ai ele diz assim: "Fui sim minha senhora, eles encostaram o revolver na minha cabeça...e o outro de trás, dizia, mata ele, mata!". E eu disse: "Olha, leva tudo que eu tenho, mas não me mate não. Eu acho ate que vocês tem razão de roubar, do jeito que esta esse Brasil, a semana passada mesmo eu estava pensando em fazer isso"...rs
Ai me disse:"A sra. vê dona, o que a gente acaba falando para não ser morto?"

Sou uma observadora eterna das pessoas. Tantas almas diferentes, tantos sentimentos abrigados em tantos corações que pulsam, tantas verdades e inverdades, tanto sofrimento, tanta miséria. Diferenças enormes de vida.

Temos tantas coisas para dar...e uma alma repleta para sentir.
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 02/08/2020
Reeditado em 02/08/2020
Código do texto: T7023874
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