Papa no RS: há 40 anos. Era pra ser...

Dia 5 de julho passado fez 40 anos que o papa João Paulo II esteve no Rio Grande do Sul. Na verdade ele chegou ao cair do sol do dia 4 e foi embora 22 horas depois. Recém havia feito 60 anos e tirou essa de letra, possuía grande vigor físico, eis que fora esportista a vida inteira. Em sua Polônia natal jogava como goleiro do time dos católicos contra os judeus, quando jovem, inclusive. Diriam que dessa convivência veio inspiração para o profundo e histórico ecumenismo característico de seu papado.

Em 1980, quando veio ao Brasil e esteve em Porto Alegre, eu tinha 12 anos, vi tudo pela TV. Aliás, como tudo relacionado a João Paulo II, obtive pela TV, revistas, jornais e livros. Foi escolhido sumo pontífice em 1978, aos 58 anos - um guri para um papa. Era pra ser, mesmo. Sua biografia é impressionante e controversa, tanto a pessoal quanto a religiosa e a política, uma pessoa única no seu tempo e em outros, passados e futuros, também, mas essa não é a história que eu quero escrever aqui, agora. Eu dizia: era pra ser...

Em 1978 eu era um guri feliz lá na Colônia, que havia visto o Grêmio ser campeão gaúcho em 77 - após oito anos de Inter -, estudava do Ramiro Barcellos da dona Chiquita e do seu Darci e matava as aulas da primeira comunhão. Isso mesmo, ali na igreja Nossa Senhora de Fátima eu tentava aprender no livrinho vermelho, não no de Mao - isso seria décadas mais tarde e também não daria certo -, mas no do catecismo, todavia a freira que dava aulas me atrapalhava. Na minha experiência nunca vi essas freiras jovens, bonitinhas e bondosas dos filmes: eram coroas, severas e mau humoradas e sempre tive problema em aturar gente mau humorada - nunca fui um cristão que tivesse a paciência como qualidade. Tentei duas vezes e não consegui ir adiante, matava as aulas. Pra não dizer que não aprendi nada, aprendi a Ave Maria, o Pai Nosso, o Creio e uma canção: "Rebola a bola você diz que dá que dá, você diz que dá na bola, mas na bola você não dá". Bem legal, isso ela tinha de bom, ensinava a rezar e a cantar. Entretanto, não era simpática como era o padre Vilmo, que vinha rezar as missas lá e ficava pela casa paroquial de vez em quando, pessoa muito acessível.

Bom, por esses tempos eu vim a conhecer sobre o que era um papa. Sabia que havia um e que era chamado Paulo VI e ponto. Daí ele morre e descobri que papa era escolhido em conclave, uma baita de uma novidade para o Joãozinho, que, se não me engano, achava que Deus descia do Céu e dizia quem seria o novo. Daí elegem um vovô italiano bem simpático, o João Paulo I. Gostei, parecia ser mais tri que o padre Vilmo: sorridente, gordinho e bonachão. Um mês e pá, morre o bom velinho. Como assim, já morreu o papa? Sim, morreu. Então, outro conclave pela TV, fiquei PHD nisso, pois dava direto e eu assistia atento, bem curioso. Aprendi mais nesses dois conclaves do que nas aulas que não matei na catequese.

Aí elegem um polonês chamado Karol Wojtyla. Era pra ser, mesmo. Jovem, em comparação com o anterior, tinha jeito de homem feito, não de vovô, embora também fosse simpátco. Mas estranhei um papa com nome de mulher, igual ao de uma colega minha do Ramiro. Ué, mas chamaram ele de João Paulo II, o mesmo nome do vovô? Aí é que fiz outra baita descoberta: que os papas não usavam o seu nome de batismo, mas adotavam um novo. Ah, então ele não era João Paulo, que nem o outro, mas apenas usou o mesmo nome! Um tempo de grandes aprendizados. O fato é que era realmente prO Karol ser papa e mudar a história, como mudou. Foi o papa que marcou a minha geração, assim como o Francisco está marcando a atual e a minha maturidade - o argentino Bergoglio é uma referência nos dias atuais, até para não cristãos e não reigiosos.

E, tão rápido como tudo isso, em 1980, já na Cohab, vi que o papa viria no Brasil e em Porto Alegre. Claro que eu estava louco pra ir lá ver, até cheguei a repensar esse lance de primeira comunhão e fazer, mas como o pai - católico não praticante - e a mãe - umbandista - não iriam, sem chance pro Joãozinho. Todavia, não tirei o olho da TV Gaúcha, canal 12, na Teleotto valvulada P&B que a gente tinha. Acompanhei tudo. O momento mais marcante, que me emocionou bastante, foi quando o pessoal começou a gritar "Ucho ucho ucho, o papa é gaúcho!" e ele, depois de trocar um ideia com um padre ao seu lado, chegou nos microfones e disse: É gaúcho! Ao que riu e fez um gesto com a mão. Não esqueci, era carismático O Karol. Gostei do papa, João Paulo II foi uma referência, por sua luta ecumênica e democrática, contra as ditaduras comunistas do leste europeu e as militares latinoamericanas e a opressão capitalista. Depois teve o lance com a Teologia da Libertação e o Leonardo Boff - recordo de, num Fórum Social Mundial, ver o Gigantinho lotado, em absoluto e inacreditável silêncio, ouvindo ele e o escritor uruguaio Eduardo Galeano -, que foram duas gigantescas influências cristãs, sociais e políticas para mim - "a opção pelos pobres" -, e eu, já um homem maduro e com opiniões formadas, distanciei-me do papa como referência, totalmente. Mas isso é outra história pra se contar, repito.

O fato é que João Paulo II fez o terceiro maior papado da Igreja, atrás só de São Pedro e de um outro, influenciou a história de seu tempo, foi o "papa peregrino" que viajou o mundo inteiro, o primeiro papa polonês, o primeiro não italiano em quase 500 anos, o primeiro que veio no Brasil - maior país católico do mundo - e no Rio Grande do Sul dentro de uma biografia espetacular recheada de feitos históricos. Era pra ser. E eu gostava muito dele por ter vindo a Porto Alegre, rezado um missa perto do Olímpico, por ser simpático, "gaúcho", ter estado na capa do LP do Engenheiros do Hawaii que mais vendeu (O Papa é Pop, de onde tirei a imagem acima) e por ter lutado pelo entendimento religioso, pela ampliação do conceito de santidade - canonizou muitos santos -, pela liberdade e pela democracia. Guardo profundos respeito e admiração por ele, foi um grande personagem do século XX.

Já faz 40 anos isso. Mas bah, o tempo passa. Esse ano, em maio, fez 100 anos de nascimento dO Karol Wojtyla e, em abril, 15 anos da morte de João Paulo II. Aliás, São João Paulo II, pois foi canonizado em 2014 por dois papas ainda vivos - Francisco e Bento XVI, o da ativa e o aposentado. É em 22 de outubro a sua festa litúrgica.