Separações

A vida é o resultado das escolhas que se faz. Correto. Cada um sofre (ou goza) as consequências de suas escolhas. Correto. Mas, e quanto às escolhas dos outros? Quem disse que só cabe a eles sofrer (ou gozar) de suas consequências? Não é bem assim que as coisas são. As frases de efeito escondem muitas outras coisas. Senão, vejamos.

Não é raro fazermos novos amigos. E nem sempre é por escolha nossa ou deles. Muitas vezes, isso acontece circunstancialmente ou acidentalmente. Amigos comuns, reuniões sociais, etc. e voilá, é o começo de uma nova relação. Na maioria das vezes durará muito pouco ou quase nada. Eventualmente, no entanto, pode representar um divisor de águas. Uma empatia natural, interesses comuns, mesmas fases na vida, tudo isso junto pode alterar para sempre sua vida.

Para sempre, não. Parece que nunca é para sempre. Vem daí a injustiça. Como toda relação, essa também tem seu período de atração, fortalecimento, um pico de grande interação, e depois um desaquecimento natural, que pode se estabilizar naquele ponto em que se sente que foi amigo desde sempre, e que cada um sabe onde encontrar o outro, quando quiser ou precisar, e isso acaba acontecendo com a frequência ideal. Mas também pode não se estabilizar e culminar, primeiro, numa zona morna e sem-graça, com encontros meio forçados e regados às conversas de sempre, e por fim, em mais nada. Mas isso é a vida e só nos resta esperar para ver o que acontece. Também nos resta investir mais ou menos nessas relações, mas o resultado sempre dependerá da contraparte também.

A injustiça a que me referia é quando algo extraordinário ocorre e nada do que você faça pode reverter a morte de uma amizade. Por exemplo, quando o casal amigo resolve se separar. Aquele casal, que era sua companhia constante por tanto tempo, que fazia com que você planejasse os finais de semana, as viagens, os jantares, sua vida social. Não terá sido o primeiro, nem será o último casal de amigos que sumirá da sua vida. Mas a cada um que se parte e parte, vem à tona aquele gosto amargo da impotência, do abandono, da insignificância. Será que, para um casal, as amizades são sempre assim, em pares, plurais e dependentes de estado civil? Afinal, somos amigos da Fulana, ou apenas da esposa do Fulano? Do Fulano, ou do namorado da Fulana? Se o Fulano não tem mais par, então, não tem mais amigos. Isso é justo?

A resposta poderia ser: isso é apenas consequências das escolhas que o par fez; ela poderia ser mais carinhosa, ele poderia não tê-la traído, etc. Muito bem, mas então as consequências caberiam apenas ao par, e não aos seus amigos. É a isso que me referia: não deveria ser eu a pagar o preço da separação de meus amigos. Mas esse preço existe e é alto.

Em certo momento da vida, as amizades são extremamente importantes, e perdê-las tem um custo emocional alto. É o custo de sentir que eventualmente sua entrega foi insuficiente para cativar uma amizade verdadeira, que em breve você será substituído pelo amigo ou pela amiga do futuro par, que não haverá mais assunto ou interesse comum.

A separação do casal amigo é muito mais profunda do que parece. Separa pessoas, rompe laços, apaga projetos, deixa tudo mais triste, mais sem-graça.

(27 Maio 2015)

Anelê Volpe
Enviado por Anelê Volpe em 30/07/2020
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