Dimensões da Vida

Conforme envelhecemos, os valores vão se alterando ou tendo pesos diferentes. Quando se chega perto dos 60 anos, dinheiro, futuro e bens deixam de ser o foco de atenção. Com a aposentadoria – ou mesmo o peso da idade – questões como “O que fazer para tornar o resto da minha vida interessante? ”, “Como manter o encanto da vida? ”, se não são tão conscientes, estão ali, subjacentes a apatias, melancolias, depressões, entre outras formas de desencanto.

Acho importante trazer essas questões ao consciente e agir para lutar contra o que a velhice traz de ruim. Uma das maneiras de definir nossa postura perante o mundo e a vida é pensar nos diversos desafios (ou oportunidades) que a vida nos apresenta. Eles englobam habilidades distintas, que, juntas, nos tornam plenos. Ao tentar praticar cada uma delas, desafiamos nossos limites e ampliamos nossa visão do mundo, nossa autoestima e passamos a querer cada vez mais. Ora, isso não seria viver intensamente?

Começamos com a dimensão intelectual. Tendo tido uma vida intelectualmente rica ou não, criar novos desafios para o intelecto pode fazê-lo se descobrir (ainda) capaz. Aqueles que já se ocuparam com atividades intelectuais – técnicas, científicas – podem voltar a acompanhar o que acontece nessa área, ler matérias relativas a isso, ou mesmo estudar, voltar para os bancos escolares, fazer cursos breves, ouvir palestras, etc. E por que não iniciar estudos numa área completamente nova? Aquele curso que não pode fazer quando era jovem? Uma nova língua estrangeira? Uma versão compacta e simplificada dele, por que não? Na web, grátis, que tal? Não é necessário se tornar um profissional, mas aprender, descobrir, matar a curiosidade. Quanta diferença isso pode fazer para quem avança rumo a velhice!

A segunda dimensão: cultural. Ah, os filmes, os livros, os shows, as peças teatrais...que outro mundo maravilhoso! Fuga da realidade? Jamais! A realidade tem suas dimensões também, e essa é a melhor delas. Viver um mundo paralelo e nele descobrir aquilo tudo que não nos é permitido vivenciar nessa outra realidade. Quanto não aprendemos com a ficção e a história contada pelos escritores e artistas! Quanto não descobrimos sobre o ser humano, sua alma, seus limites, fraquezas e bravuras! Nem só novelas, nem só romances, nem só guerras, nem só ficção e policiais; de tudo um pouco: conhecer outros gêneros, narrativas, a complexidade da criação, o trabalho do autor e do artista, admirar, criticar, invejar, permitir-se sentir todo o turbilhão de emoções que a arte nos proporciona. Preencher a vida com sentimentos e emoções, sair do marasmo da rotina diária e viajar para mundos paralelos, eis um dos segredos para manter a vida interessante. E, se além disso, você quiser escrever, por para fora suas próprias estórias ou opiniões, então você poderá sentir o prazer de concretizar suas fantasias, expurgar seus medos e demônios, externar a pureza de sua alma, mostrar-se ao mundo de uma forma perene, admirável.

Relacionada à cultura, mas com um papel destacadíssimo: a música. Ela faz a trilha sonora de nossa vida e nos resgata, quando menos se espera, para intervalos de pura alegria ou nostalgia, em casa, no carro, numa festa ou baile, num show. Mas isso é assim desde que nascemos. Para que a música faça diferença na nossa vida, é preciso que a gente faça música também. Tocar um instrumento, sozinho ou acompanhado, escondido ou em shows, fazendo solo ou acompanhamento, bandleader ou coadjuvante, não importa, dominar a música e participar da sua execução é uma sensação única que faz muita diferença na qualidade de vida de qualquer um. Tocar um instrumento não é tarefa fácil. Alguns são mais fáceis que outros, mas tocar bem é difícil em qualquer caso. Coisa para poucos? Pode ser, mas a qualquer um, em qualquer tempo, é permitido aprender, tentar, desafiar seus limites. É ótimo que artistas sejam especiais e únicos. Mas qualquer um pode dominar minimamente um instrumento musical, basta se dedicar e buscar sua própria perfeição. Faça por você, para você, para seu gozo. E se isso não bastasse, todos nós temos um instrumento nato e gratuito, a voz. Por que não cantar? Profissionalmente? Muito provavelmente não. Já o faz desde que se conhece por gente? Então, agora, faça diferente: vá cantar com outras pessoas como você. Integre-se a uma banda, a um coral, ao coro da igreja, qualquer grupo que se propõe a cantar, se alegrar e alegrar os outros. Garanto que sua vida terá mais cor.

Outra dimensão é a da criação. Refiro-me à criação com as mãos, à habilidade para transformar matéria prima em produto. Qualquer que seja a matéria prima e qualquer que seja o produto. Pode ser no artesanato, transformando madeira, papel, material reciclável, em objetos de utilidade ou de decoração; pode ser na costura, no bordado, no tricô ou crochê; pode ser na escultura ou na pintura artística; pode ser na culinária, a do dia-a-dia ou a gourmet; pode ser na bricolagem, montando, instalando, fazendo reparos caseiros de qualquer natureza. Não é raro passarmos uma vida toda sem ter essa experiência. Serviços dessa natureza geralmente são feitos por terceiros, e perdemos a oportunidade de vivenciar habilidades herdadas de nossos mais distantes ancestrais. Vamos desperdiçar a chance de verdadeiramente produzir algo que é uma criação nossa e única? A despeito do que foi produzido, o que importa nesse caso é a transformação do desafio no prazer. Muito melhor do que ficar se queixando do mau tempo ou da dor nas costas, certo?

A atividade física é mais do que um remédio nessa fase. Se tiver a paciência para selecionar aquela mais adequada a você, ela lhe proporcionará saúde, diversão, prazer, novas amizades. Que corpo perfeito que nada; o importante é ter o prazer de cuidar de si, manter-se em movimento, pronto para qualquer outra atividade. Serotonina, adrenalina, todas as inas para nos dar prazer! Os limites da idade são inevitáveis, mas é possível driblá-los por muito tempo se evitarmos o sofá e a TV. Academia, só se gostar. Ruas, piscinas, pistas, quadras, areia, mar, tudo à disposição. Qualquer hora é hora; nunca é tarde para começar. E, se parar – porque vai parar eventualmente - recomece!

O clichê da lista: viajar. Quem não gosta? Mas não custa reforçar: viajar é importante por vários motivos. Obviamente para conhecer um novo lugar ou revisitar aqueles que gostamos. Mas também para descobrir peculiaridades, ampliar seu repertório de mundo, distanciar-se para refletir sobre seu cotidiano, seus relacionamentos, seu estilo de vida. Não basta se deslocar, é preciso se integrar ao novo lugar, ter um olhar curioso e generoso para enxergar além das paisagens. O mundo, afinal, é muito mais do que uma wishlist, onde os lugares não passam de itens que são riscados com a mesma velocidade com que são esquecidos. Na idade mais avançada, viajar pode ter outro sabor: conhecer para compreender. Os anos trazem muitas respostas, mas muitas perguntas também. Certezas construídas apenas pelo tempo caem como castelos de areia quando nos transportamos para outros mundos. Ter contato com a diversidade nos abre os olhos e torna nossa vida muito mais excitante.

Depois de décadas, sua lista de amigos pode estar dividida em várias: os de infância, os de escola, os do trabalho, os mais recentes, os distantes, os vizinhos, os que lhe são úteis, os que você ajuda, os que você atura, e até os ex. Não deixe que lhe escape nenhum deles. Amigo é como amor, quanto mais, melhor. Ninguém é perfeito, portanto, não seja tão seletivo; aceite todos os que lhe foram destinados. Não seja você a romper uma amizade. Se isso acontecer, paciência, haverá outras. E, nessa fase da vida, quando familiares as vezes estão distantes, são eles, os amigos, que nos aquecem a alma, nos alegram nas reuniões, nos mantêm conectados. Prepare-se para seus amigos, seja honesto e receptivo. Não os use como se fossem ouvidos ambulantes para suas queixas. Procure ser uma companhia interessante, bem-humorada, bem-informada. Tenha uma conversa interessante, atualizada, opine sem preconceito, mas seja espirituoso. Muitas vezes somos intolerantes demais ou tolerados de menos. Coisas da idade. Nossa e deles. Compreendendo isto, é possível usufruir o que há de bom e relevar o resto. Sempre é recíproco, afinal.

Por fim, mas não menos importante, um bom exercício para a alma é o ‘fazer pelo outro’. Fazer algo para o bem de outrem, sem qualquer recompensa aparente, me parece um complemento essencial na vida de quem já fez muito por si e pelos seus. Aquele que já conhece bastante da vida, que sabe o quanto ela pode ser injustamente dura para alguns (muitos), deve se sentir impelido a fazer algo, intervir à sua maneira, o quanto possa. Seja na forma de doação, de ação voluntária ou política, direta ou indireta. Como seguir vendo misérias e, podendo fazer, não fazer nada? Com mais tempo disponível – nem sempre é preciso dinheiro para ajuda -, que tal doar um pouco para quem nem pedindo está. Vaidade, altruísmo, qualquer nome que se queira dar, o que importa é sair de sua zona de conforto e agir para ajudar alguém muito próximo, de um mundo muito distante do seu.

Não é preciso fazer tudo o tempo todo, nem ser bom em tudo, nem dispensar momentos de preguiça e TV. Mas viver bem é como comer bem: o prato tem que ser bem colorido para ser saudável. Assim é nossa vida: quanto mais variadas forem suas atividades, mais plena será.

(26 Fevereiro 2017)

Anelê Volpe
Enviado por Anelê Volpe em 25/07/2020
Reeditado em 26/07/2020
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