Revivenciamento
É incrível o poder que tem a música de nos transportar no tempo. Basta tocar uma música de determinada época do passado e pronto! Lá estamos nós revivendo todas as emoções que porventura sentimos e que nos marcaram. E por reviver não quero dizer lembrar, não. Reviver no sentido de nos transportar de corpo e alma. Enquanto a música toca, a gente é capaz até de voltar a amar uma pessoa, de chorar a perda de outra, de voltar a ser de esquerda, de odiar ditaduras, militares e alguns políticos já esquecidos, e no fim, sentir pena de si mesma por ter perdido algo que lhe era precioso.
Muitas vezes a letra da música não diz nada de especial, outras vezes, nem é compreensível naquela língua estrangeira, pode falar de uma situação corriqueira, mas que, naquele contexto do passado, foi trilha sonora de alguma situação especial. Nesses casos, a música pode lhe remeter romantismo ou perda ou protesto, ainda que sua letra não diga nada sobre isso.
Mais do que situações e emoções, as músicas do passado me fazem reviver o que eu era, e isso me traz saudade. Sinto que aquele eu se perdeu, se transformou e eu gostaria de recuperá-lo, de partir daquele ponto e seguir outros caminhos, quem sabe. Emoções que nunca mais senti, pessoas e lugares que nunca mais vi ou verei, tudo isso gera uma nostalgia que chega a doer fisicamente. O mistério da música é que apenas ela é capaz de produzir essa viagem. Já sei que se tentar reproduzir qualquer situação já vivida, ficarei decepcionada com o resultado; aliás, já passei por isso. No entanto, as canções são infalíveis nessa tarefa. Passamos o resto de nossas vidas recuperando essas sensações sempre que ouvimos nossas trilhas sonoras.
Outro dia cheguei a chorar ao ouvir uma música de Milton Nascimento da década de 1970. Milton nem é meu cantor preferido, e eu nem citaria essa música entre as minhas favoritas, e também não sou de chorar. Mas ali, naquele show de outro artista, essa música me transportou de uma forma tal que as lágrimas foram incontroláveis. Nesse caso, não sei se chorei de saudade, de nostalgia, ou de pena de mim mesma, mas o fato é que aquela sensibilidade me comoveu e me fez pensar que ainda estou sujeita a emoções das mais puras. Me fez sentir bem.
Como se explica tudo isso? Teriam as emoções memória auditiva? Teria a música um poder hipnótico? O que produzem, além do som, as ondas sonoras no nosso cérebro? Impregnam-se quimicamente às emoções e essas à memória? E qual o critério para que uma música, e não outra, uma certa emoção, e não outra, marquem tão profundamente nossa memória?
Que bom que não temos (ao menos não eu) respostas para todas essas perguntas. Dessa forma, permanece o mistério e permanece a delícia de ser surpreendida por esse revivenciamento.
(22 Fevereiro 2015)