ISO-LAMENTO SOCIAL

A sociedade é o palco necessário de nossas vidas. Protagonistas ou coadjuvantes, inevitavelmente, atuamos no cotidiano espetáculo da realidade, refletindo a dinâmica de nosso tempo e lugar, de nossa cultura.

Na atual crise, cabe perguntar: é possível uniformizar as condutas individuais em um ambiente de extrema desigualdade das condições reais de vida? É interessante notar que, há quinhentos anos, vivemos um isolamento social evidenciado pelo acentuado distanciamento, não individual, mas entre as classes sociais. Decorrem, então, mais duas perguntas: quais as formas de relacionamento entre as classes sociais? E de que forma poderiam essas classes se relacionar para superar a crise da pandemia? As respostas estão na dimensão essencial das relações entre as classes: o trabalho.

Segundo Durkheim, a sociedade capitalista é marcada por uma interdependência econômica e tecnológica generalizada, entre todas as pessoas. Isso significa que, na sociedade complexa em que vivemos, todos dependem de todos. A autossuficiência é uma ilusão... Então, por que temos tanta dificuldade de enxergar e reconhecer o valor do papel social e do trabalho do outro? Na relação entre capital e trabalho, há uma tendência de considerar que apenas o empregado depende do patrão, por quê?

Ser solidário significa ceder, bens ou interesses, para ajudar o outro. Até que ponto é possível ceder, quando minha condição socioeconômica depende da exploração e desvalorização do trabalho alheio? Até que ponto os grandes afortunados, o grande capital pode ceder no combate à crise? Obviamente, a acumulação de riquezas depende da continuidade da produção de riquezas e de um mercado em movimento. Mercado que decorre da relação capital x trabalho. Certamente, o grande capital apenas irá ceder se, e somente se, a própria sobrevivência do sistema estiver ameaçada...

No Brasil, a coadjuvância da maioria, dos sem voz e sem vez, historicamente se desdobra em sofrimento e morte, independentemente de qualquer pandemia! Ordinariamente, pessoas pobres morrem nas unidades do SUS, não por falta de riquezas no país, mas por falta de recursos aplicados em saúde pública. Doenças ligadas à falta de saneamento e de alimentação ainda atingem os brasileiros mais pobres. A despeito de qualquer crise, onde nos colocamos diante desse quadro permanente de desigualdades, sofrimento e mortes? A atual crise nos trouxe uma excelente ocasião para constranger a hipocrisia através da seguinte pergunta: em todo o tempo, onde estava a solidariedade no Brasil de tragédias constantes? Para os que pensam que não é possível piorar o que já é péssimo, o novo Coronavírus prova o contrário: vale o ditado, “nada é tão ruim que não possa piorar, não há limites para o mal”.

Diante da dificuldade de promover o isolamento social para conter o novo vírus, fácil será ampliar o lamento social dos desventurados, dos subalternos nesse contexto secular de isolamento de classes: dos sem teto, sem alimento, sem saúde, sem educação, sem expectativa, sem esperança... Precisamos alimentar a ideia de que, em maior ou menor grau, somos corresponsáveis pelos destinos que construímos historicamente e que, independente do tamanho da fatia de realidade que o destino nos confiou, é preciso refletir sobre qual papel podemos assumir nessa construção.