A FARRA DO PAULISTANO
Quarta feira, três da tarde, parou por um instante e observou a cidade pela janela do escritório, voltou-se, olhou para sua colega de trabalho, a tentadora boazuda de todos os dias, não pensou, agarrou-a e lascou em sua boca um beijo violento, largou-a, deu um bico no sexto de lixo espalhando papel para todo lado. Arrancou a gravata e jogou no ventilador ligado. Virou a mesa com tudo o que havia em cima, computador, telefone, papéis. Deu uma direita com toda a força na gaveta aberta do arquivo. Foi até a sala do chefe, abriu a porta com um pontapé, encantoou-o, catou-lhe pelo colarinho: - seu corno filho da puta, nesta hora seu vizinho está lá na sua casa!
Saiu apressado corredor a fora, chamou o elevador mas não esperou. Pela escada foi deixando suas roupas. Sapatos, meias, paletó, camisa, calça, terminou ficando apenas com a cueca. Ganhou a Rua Direita, entupida de gente como sempre. Na maior das alturas cantava em inglês fajuto “ai sambariloveyou”. A multidão era indiferente, ele era só mais um maluco naquele meio. Atravessou a Patriarca, fez fusquinha e mostrou a língua para o prefeito. No Viaduto do Chá, como um equilibrista, desfilou sobre a grade de proteção, cantando canções populares, exibia seu genital para aqueles que lá de baixo aguardavam sua queda.
Do topo da escada do teatro municipal, encenou uma comédia, com referência aos grandes políticos do país, “brasileiros e brasileiras”, “meus amigos, minhas amigas”. Encarnou Getúlio e discursou para a plateia festiva, “trabalhadores do Brasil...”. Empunhando um tubo vazio de papel, foi Dom Pedro I, no seu momento maior: “independência ou morte”.
Seguiu a Barão, atravessou a Ipiranga, na República... -Nossa! Que coisa mais fofa! – Vá, vá! Deixe-me passar! Subiu a Ipiranga cantando, gritando palavrões, desafiou policiais. Na praça, em frente à igreja plantou bananeira, deu uns mortais. Na Consolação, entre os carros, com suas peraltices fez o transito parar. Em frente à Escola da Magistratura, aprontou pra valer, dançou tindô-lê-lê, adaptou Bocage em Pavarotti e lascou! Bradou irônico em alto tom, defendeu melhoria de salário para os magistrados. Consolação acima, em frente ao cemitério fez continência e um minuto de silêncio. Deu meia volta, fez macaquices e aplaudiu os bombeiros. Na Paulista, comemorou cantando, por estar no ponto mais alto da cidade. No vão do MASP., com uma lasca de gesso desenhou a nossa bandeira e escreveu “Ordem e Progresso Sem Roubalheira”. Lá na calçada da FIESP., ironizou o quanto pôde, falou em queda de juros, de enxugamento da máquina, de privatização, de terceirização, de portos, aeroportos, de ferrovias. Gritou a Deus pedindo um céu só para eles. À direita, Brigadeiro a baixo chegou ao Ibirapuera. Passando pela Assembleia Legislativa, fez cenas provocativas, mostrou que não tinha bolso, mostrou que não tinha nada para ser roubado. Correu pelo parque, pegou o violão de um jovem que dormia no gramado, subiu em um banco e cantou rock pesado para alguns que fumavam entre os arbustos.
Cansado, arrancou a cueca, jogou para algumas meninas que passavam, correu entre crianças e mergulhou no lago. Uma morena jambo, um tanto entusiasmada, tirou toda a roupa e foi atrás dele, deu-lhe um abraço apertado e um beijo gostoso.
- Menino! Vem almoçar!
- Ô! Mãe! Hoje é domingo! Eu quero sonhar.