Eu sei que um dia vou morrer, eis a biografia de uma música
O título dessa crônica era o começo da música que, 41 anos depois, em plena Pandemia, acabou virando “Adeus, Mascarados”, pelo menos por enquanto. Eis a história:
Um dia, em 1978, no caminho de volta do centro de Copenhague, no ônibus que saía da Hovedbanegaard para Lille Strandvejen, 8/St/TH, em Hellerup, bairro onde eu morava, veio à cabeça a melodia, com letra pronta e tudo, de um samba simples, mas bonito. Chegando em casa, sentei em frente ao piano de parede que tinha na época, localizei as notas e continuei gostando. E pensei: agora é esperar o Reinaldo chegar e botar isso nos eixos. Tá bonito!
O conterrâneo, amigo de infância - e já parceiro de muitas músicas - Reinaldo “Rohr” Pereira de Souza - vinha me visitar, sem hora de voltar. Antes de chegar a Copenhague, passou uns dias no Rio de Janeiro, no apartamento do casal amigo Renzo e Fátima Pieroni, o que lhe rendeu um bronzeado espetacular. Logo que chegou, depois de se acostumar com o frio intenso daquele início de ano de 1979 - a festiva chegada dele está descrita na crônica “O frio é psicológico”, acesso pelo link https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5803460 - fez rapidamente a segunda parte do samba, como era seu costume quando gostava de alguma música que eu iniciava.
Logo se enturmou com os músicos da banda de Brazilian jazz chamada “Numa Boa”, que tocava na noite de Copenhague e arredores. Mozar Terra era o link. Mineiro de Lavras, músico fabuloso, tinha morado em meu apartamento por uns meses e mantivemos a amizade pela música e pelo temperamento dele, alegre e bem humorado. Os outros eram: os brasileiros Alfredo, violonista, e Luís Carlos (Chuim), baterista de Jacareí; SP, Jesper Hedegaard e um outro dinamarquês, de cujo nome não me lembro.
Quando Mozar Terra morou no meu apartamento, partiturou muitas de nossas músicas e até virou meu parceiro numa música chamada “Vem, vem”. Quando o Reinaldo chegou, a amizade foi imediata: dois músicos se afinam sem muito lero-lero. Logo Reinaldo mostrou o samba “Eu sei que um dia” para o Mozar. Ele gostou, fez o arranjo e uma noite o “Numa Boa” o tocou numa praça, em evento patrocinado pela Prefeitura de Copenhague. Nesse dia, a apresentação foi gravada, ganhei cópia em fita cassette. Essa preciosidade viajou comigo pelos caminhos da vida, enfrentou climas secos e úmidos e se conservou na fita cassette até ser digitalizada. No entanto, nunca cheguei a um acordo com Reinaldo sobre a letra, da mesma maneira que aconteceu com “Estação da Alegria”. A letra era uma que cantávamos entre nós, mas não divulgávamos muito, não batia com um samba. Da melodia não tínhamos queixa.
Este ano veio a Pandemia. Escrevi uma letra, finalmente, e “Eu sei que um dia” virou “Adeus Mascarados!” e será gravada aqui em Foz do Iguaçu, "quando isso tudo se acabar". A outra letra era muito “cabeça”. Ou a música ficaria só instrumental gravado pelo “Numa Boa” - aliás muito bom - com um sax dando todo o charme ao samba metido a bossa-nova. Seria só isso ou saía com cara de samba, caráter de crônica, relatando esse momento que vem marcando a tanta gente. Eis a história de uma música, que pode não ter terminado ainda. Lembrei-me, não sei por que, do filme "O Violino Vermelho".
Sobre a passagem do Reinaldo por Copenhague... Bom, durou só uns três meses. Suportou o frio enquanto a paulista, namorada brasileira que conheceu lá, permaneceu na Dinamarca. Quando ela se foi, ele fez as malas e voltou para Pitangui. Já estava tocando no “Numa Boa”, mas nenhum agrado o convenceu a ficar. No primeiro dia do ano de 1979, o enorme termômetro da Raadhuspladsen, praça central de Copenhague, marcou 29 graus negativos e o frio intenso permaneceu durante todos os primeiros meses do ano, os meses em que Reinaldo "Rohr" morou em Copenhague. O bronzeado do Reinaldo precisava dum reforço no Rio de Janeiro.
Nota:
Para quem quiser conhecer a letra de “Adeus, mascarados”, que em breve será gravada em estúdio de Foz do Iguaçu:
https://www.recantodasletras.com.br/letras/6995985