Respeitável público o espetáculo foi cancelado!
Respeitável público o espetáculo foi cancelado!
Respeitável público! Por favor, queiram voltar para as suas casas, o trem do covid-19 tá! pegando, tá! feio.
O espetáculo de hoje foi cancelado. O circo será fechado por tempo indeterminado, o tal do isolamento social voltou.
Culpa sabe de quem? O maldito do COVID! Algo de muito estranho vem acontecendo embaixo dessa lona. Dizem que o tal do VÍRUS passou por aqui e, desde então, ninguém mais se entende.
O trapezista se CONTAMINOU, o mágico e agora já está internado, mais o equilibrar. O mágico se diz fraco, não sente sabor e muito menos cheiro. Da sua cartola já não sai mais nenhum coelho.
A contorcionista anda se esquivando para um lado e para o outro. O coitado já não faz mais ninguém sorrir, desde que a domadora saiu do elenco por estar também infectada. Agora, para ele, tudo é uma grande palhaçada.
A mulher que cospe fogo colocou a vida nas mãos de Deus. O rapaz da bilheteria não consegue tirar a máscara para conversar. O homem das facas ameaçou cortar os punhos. O motoqueiro do globo agora tem medo da morte.
É como dizem por aí: o circo está pegando fogo. É tanta gente tentando se encontrar no outro. É tanta gente tentando se preencher de vento. E eu estou aqui na platéia, cabisbaixo, o meu pacote de amendoins sem nenhum sabor, perdidos tentando se encontrar alguém para saboreá-lo.
É curioso de observar. Para quem ama a vida não faz sentido. Por que será que as pessoas escolhem entregar a sua vida ou até mesmo a sua sobrevivência nas mãos de outro alguém?
Por que elas têm tanta dificuldade de gostar de quem gosta delas para tentar escapar desse maldito VÍRUS?
Por que, essa tendência para o sofrimento? A vida é tão mais leve fora de tudo isso.
Hoje o meu sorriso só depende de mim. O engraçado é que eles vivem me chamando, querendo que eu faça parte do show por não ter mais palhaço no picadeiro.
Querem me convencer de que o espetáculo vale o preço do ingresso, fico aqui não. Não sei não. Eu prefiro minha liberdade de escolha. Quem sabe amanhã eu já não queira mais estar no circo?
Pode ser que eu queira curtir um teatro ou um cinema, por este motivo vou me cuidar. Quem sabe? Pode ser até que eu decida ficar em casa. Viver das próprias vontades é tão mais simples.
Se houver interesse ainda tem uma poltrona vaga aqui do lado. Venha enquanto ainda estou por aqui. Acho que um dia eu acabo entrando pro time, será? Deus do céu… TEM MISERICÓRDIA! Dizem que é impossível ficar na platéia para sempre. Vai saber… A vida é como um circo. Por enquanto eu estou dispensando o nariz de palhaço para prolongar os meus dias de vida.
Guaxupé, 03/07/2020.
Milton B. Furquim