Só Manuela
Como faz diariamente, lá vem a Manuela. Não sei por que ela vem me contar suas doidices. Nunca soube onde ela mora e nem o resto do seu nome. Nunca me interessei.
As migalhas que a madame Marlene me dava compravam a minha mísera dignidade. Vendi os meus raros sorrisos, a liberdade de olhar, as minhas indagações. Vendi o quase nada que eu possuía.
Estive em lugares inimagináveis para alguém como eu. As horas passadas esperando do lado de fora pareciam séculos. A madame sabia muito bem me colocar no meu lugar; qualquer pedido era ordem. Certa vez ao tentar ajudar a se levantar de uma queda na calçada, ela me dirigiu um olhar de desdém e reprovação, mas não disse uma palavra. O Sr. Luiz, quando estávamos a sós, tratava-me muito bem, acho que ele se esquecia das nossas diferenças a ponto de me fazer confidências. Na presença da madame Marlene, o Sr. Luiz me ignorava, a impressão é que ele ignorava a si mesmo. Eu tinha as minhas migalhas e o prazer ilusório de dirigir belos automóveis. Que migalhas teria ele? Teria também alguma ilusão? Nunca mais vi o Sr. Luiz.
Os paredões dos lados me garantem a sombra das manhãs e das tardes. Os amores não apareceram na minha vida. Talvez pelas migalhas. Talvez pela ausência de tempo. A minha cadeira de madeira treliça, lisa, gasta, suporta o peso do passar dos meus dias. Nunca mais vi a Manuela.
Como faz diariamente, lá vem a Manuela. Não sei por que ela vem confundir minhas lembranças. Nunca soube onde ela mora e nem o resto do seu nome. Nunca me interessei. Só Manuela me amou!!