A Morte da Liberdade

Todos os mortos da pandemia devem ser pranteados. Cada um deles tinha um nome, uma história, uma família, uma missão, uma alma imortal. Da mesma forma que a partitura de um concerto segue existindo depois que a música cessou de ser tocada, essas pessoas seguem vivas no plano eterno, cujo correspondente na Terra é o coração humano. Sentimos saudade daqueles que partiram; a saudade é o tributo que o tempo paga à eternidade.

Mas eis que as nossas lágrimas e a nossa dor hoje pranteiam uma velha amiga, a Liberdade. Entre os donos do mundo, pouquíssimos foram aqueles que lamentaram seu falecimento. Em nosso país, a Liberdade morreu anônima, silenciosa, como um indigente na boca da noite. A grande mídia sequer reservou-lhe uma notinha de rodapé. Velório e missa de exéquias foram proibidos pelas autoridades sanitárias; enterraram a Liberdade numa vala comum, onde jaziam também suas irmãs Democracia e Justiça. A pá de cal foi jogada por um coveiro chamado Coronel.

Embora o atestado de óbito registre como causa mortis o Covid-19, Liberdade morreu de morte matada. Perseguida implacavelmente por seus inimigos, foi alvo de calúnias sem fim. Disseram até que ela tencionava matar Democracia, sua irmã querida. Xingaram-na de defensora da ditadura e acusaram-na de ameaçar a segurança nacional. Deram-lhe até um apelido jocoso: Fake News. Uma extremista de direita, essa Liberdade!

No entanto, o verdadeiro motivo de tanto ódio à Liberdade é que Liberdade é conservadora. O sentido de sua vida consistia em defender tudo aquilo que mais amava: sua fé, sua família, seu trabalho, seu país. Liberdade não tinha medo de nada; aprendeu isso com sua mãe, Coragem.

Liberdade não morreu de uma vez só. Foi sendo envenenada aos poucos; seus algozes diziam que o veneno era necessário para garantir a saúde pública. E então ela foi morrendo ― foi morrendo em cada emprego perdido, em cada inocente perseguido, em cada palavra censurada, em cada abuso cometido. Morreu um pouco quando o ministro foi para o exílio; morreu outro tanto quando o jornalista foi preso; morreu bastante quando o ex-herói se revelou traidor. Morreu por pensamentos, palavras, atos e omissões. Como Sócrates, morreu condenada por um colégio de juízes.

E os mesmos juízes que condenaram Liberdade providenciaram-lhe uma substituta: Censura. Embora não gostem de pronunciar o nome da sucessora ― pode causar má impressão ―, no fundo os juízes acreditam que só Censura vai resolver os problemas causados por Liberdade. Desarmamentistas até o fundo da alma, estão convictos de que só Censura pode acalmar o povo e assegurar a paz. A paz dos escravos.

Mas há algo que os juízes não sabem — ou fingem não saber. Liberdade ainda vive no coração de cada um de nós; é um presente que nos foi dado por Deus. E de nosso coração ela vai ressuscitar, porque é mais forte que todos os senhores do mundo.

― Paulo Briguet é cronista e editor-chefe do BSM.