Vilões

Coringa é, não só um dos melhores filmes do ano de 2019, mas também, um filme que carrega uma grande tarefa ou fardo: o de ser um dos primeiros filmes com personagens baseados em histórias em quadrinhos estadunidenses que seguem uma pegada realmente realista, mas também um dos pioneiros a abordar o lado do vilão e sua ascensão ao mundo do crime e da loucura ou imoralidade. Entramos em uma era de filmes que retratam heróis de ângulo mais moderno, mas talvez não tão maduros o quanto deveriam ser tratados em seus roteiros, ou onde foram inspirados. A mais forte exceção desse fenômeno é a trilogia Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, sendo o segundo filme – apenas intitulado no original como “The Dark Knight” – o mais forte e ousado deles em retratar o super-herói e seus vilões com realismo surpreendente. Dizer-se-ia que eles podem ser considerados fora desse gênero “super-herói” por causa disso, e se encaixarem no gênero “thriller”, ao invés.

Com rótulos ou não, filmes de super-heróis já têm o caminho pavimentado ou pelo menos uma base para amadurecer com o tempo e no futuro serem tratados com mais seriedade. O principal obstáculo para isso é a sua principal forma de atuação no mercado. São feitos em grande número e lançados um após o outro sem uma preocupação mais aprofundada se isto é deletério aos próprios filmes. É certo que geram bilheterias; que vendem produtos baseados neles; que geram críticas e mais críticas positivas e negativas; que abrem portas para milhões crianças, jovens e adultos, e até idosos; as portas para universos feitos de ação que não se restringem ao cinema, mas também que levam a fonte original: as histórias em quadrinhos. Podemos então fazer a pergunta: Será que não se estaria esgotando a paixão por esses mesmos filmes ao repetir a mesma fórmula e usar os mesmos padrões, não poderia isso desgastar o público e apressar o desinteresse a esse mesmo tipo de produto?

No mercado de mangás e animes, ou quadrinhos e animações japonesas, respectivamente, se preferirem; há essa “industrialização” do entretenimento e pode se dizer que muita coisa é feita calcada em clichês e estereótipos e apenas em pequenos momentos há algum tipo de brilho de criatividade ou imaginação, uma ideia que quebra paradigmas e tabus – uma inovação se preferirem. Poucos são os trabalhos que se sobressaem por serem interessantes e fazer o público se emocionar de verdade com a história de maneira mais sútil ou não. Essa saturação faz com que muitas histórias realmente boas talvez não sejam produzidas por não agradarem a maioria ou por preguiça ou negligência de serem retratadas por autores que preferem seguir receitas prontas para fazer mais sucesso e ter popularidade do que criar algo que brilhe de maneira a contagiar o leitor ou telespectador.

Daí vem o pioneirismo de Coringa – que vem acompanhado de outros como Breaking Bad, por exemplo, vale salientar - em refrescar esse gênero distorcendo os clichês e escolhendo os caminhos mais difíceis para contar uma história com um personagem tão complexo e interessante num mundo que pessoalmente me agradou de imenso.

Como já dito, podemos classificar esse tal novo gênero, como um thriller policial onde a estrela é o culpado, mas isso já foi feito, inclusive nos mangás, animes e filmes de Death Note e, novamente, nas séries com Breaking Bad e Fargo – conte-se também o filme original de Fargo –, que segue a trilha de mostrar o que a grande maioria das pessoas gosta, mas não admite por pudor e moralismo instintivo, que é: ver o vilão e entende-lo quase de todo e ao mesmo tempo se surpreender por suas contradições internas e externas, suas motivações, emoções, limites; em suma vê-lo de todo, como personagem e possível pessoa, pois os melhores vilões são pessoas que realmente poderiam existir e andar entre nós sem levantar suspeita aparente.

Nesses casos, tal como Coringa, esse possível novo gênero ganha não por retratar o protagonista como um anti-herói como foi feito já muitas vezes mesmo antes do século XX, mas que se trata de mostra-lo como é de verdade: como um criminoso, alguém que deturpa a lei e isso não serve para ajudar ou satisfazer nada além dele mesmo, ou de poucas pessoas; suas características variam como devem ser. Pode ser um assassino frio ou não, psicótico ou não, calculista ou não, caótico ou não, idealista ou não. No final de todos esses adjetivos, só existirá um essencial: vilão – bad guy; ou pelo menos, assim penso.

Andoru
Enviado por Andoru em 30/06/2020
Código do texto: T6992057
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