VÃOS DO CORAÇÃO
Nos nossos vãos do coração cabe muito entulho. É uma terra entristecida, gelada, chicoteada pelos avessos da vida. Terra desalmada, órfã de sonhos, que se diz eterna, quando de fato é. Seus tentáculos são cegos, atiram as garras pra todo lado, sem cuidado, nem métrica. Esta terra bizarra, fétida, é feita das nossas invejas, dos nossos pensamentos cruéis, das nossas vontades daninhas. É terra de sangue quente, determinado, faminta por vingança, por disseminar qualquer fiapo de coisa-ruim que houver dentro da gente. Deus teme esta terra. Tanto que a deixou fora dos seus feitos, quando passou o relatório aos superiores na conclusão de obra maior, pra muitos a menor, fez questão de omiti-la dos demais itens. Dizem que Deus a criou de propósito, pois sabia que os homens viriam assim, repletos de imperfeições, de rebarbas grotescas, com erros de fabricação a rodo. Nestes vãos do coração repousa, talvez, o que a humanidade tem de mais verdadeiro, de mais inseparável, de mais reinante. De mais seu, de mais nosso, de mais da vida.