O Crime Perfeito
“Não existe crime perfeito”. Quantas vezes não ouvimos essa frase ser dita por um detetive de polícia ou particular nas nossas humildes casas a assistir televisão ou no cinema sentado em nossas poltronas? Ouvimos isso tantas vezes que já se tornou clichê. E dos velhos e surrados. Eu adoro histórias de suspense e mistério, mas sempre enxergo os grandes pontos fracos nessas histórias e nas ações do criminoso.
A primeira é que existem alguns problemas relacionados ao crime e sua natureza, e são que ele, nas telonas e telinhas, se limita a alguns tipos de crime que podem ocorrer, como por exemplo: algo ou alguém sumiu e precisa ser procurado; alguém cometeu ou não um crime e sua inocência tem de ser comprovada mesmo quando não é verdadeira; alguém morreu e as pistas apontam que pode ser ou não assassinato; ou que um assassinato ocorreu, mas de forma que poderia ser impossível acontecer. Ponto. Esses são os modelos principais para uma história de suspense ou policial ou de mistério. Isso vem desde antes de Edgar Allan Poe e sua trilogia de Dupin e Conan Doyle e seu Sherlock Holmes. E se formos mais fundo, em Édipo Rei. Portanto, é preciso muita imaginação para se criar uma história interessante com esses modelos de forma que o leitor não pense estar lendo uma história que já viu milhares de vezes e que, portanto, não passa de uma cópia desleixada e sem caráter que não deve ser continuada. Esse argumento falha quando se vê o número de cópias e bilheteria de livros de mistério e filmes que são lançados todos os dias e que por mais que sejam quase desprovidos de uma imaginação aguçada e parecidos uns com os outros, são consumidos com o maior – ou não – orgulho e satisfação por milhares ou milhões de pessoas. Há pessoas que gostam disso, não se pode fazer muita coisa. Mas o verdadeiro cerne desse texto não é esse fator, mas sim no crime em si ou em seu ato.
O objetivo principal de um criminoso quando comete um crime não é realmente cometer esse ato imoral, mas algo um pouco mais complicado e cujo o planejamento deve ser vital para que aja chance de ser bem-sucedido: não ser capturado, preso ou desmascarado. Para isso o criminoso em questão deve se esforçar ao máximo para não deixar rastro nenhum de seu pecado e assim se ver impune. Essa é a falha capital do almejado crime perfeito, que poderia ser não tentar ocultar as pistas e impedir a ação da polícia para solucioná-lo. Isso é o que se pode pensar num primeiro momento, mas que, na verdade, a falta capital é que nenhum crime é perfeito; que todo crime é uma infração. Deixa rastro assim que é cometido, pois querendo ou não, quando acontece por mais acobertado que seja, um crime fere as regras da sociedade e chama atenção para si mesmo. Alguém sumiu misteriosamente? Uma estátua de ouro não está mais no lugar? Um cara foi assassinado quando saia do bar? O crime em si é a primeira e mais importante falha do crime.
Isso parece uma propaganda moralista, tal como “não faça crimes”. “Não desobedeça a lei”. “Não seja marginal, ande na linha”. Não é minha intenção fazê-lo, pois seria hipocrisia. Mas o grande ponto é que se não existe crimes perfeitos e mesmo se o culpado não seja pego, quando escapa por continuar anônimo, quando incrimina um inocente qualquer, ou quando seu crime prescreve quando é descoberta a sua falta com a lei ou quando demora demais para ser julgado; ou mesmo quando o acusado foge da prisão. Em todos esses casos alguém vai ficar com uma marca por toda a vida, sendo só ela que conhece ou que outros saibam, caso ela se mude de cidade e identidade. Um crime nada mais é que um jeito problemático que muitas vezes parece o mais fácil, o melhor ou o mais seguro de resolver as coisas, algo mal feito por natureza. Portanto não pode ser perfeito. Nem na vida real e nem na ficcional, mesmo que seja uma delícia ler sobre as ações de um criminoso num livro de suspense e mistério. Por isso a maioria é solucionada. E mesmo aqueles que não são desvendados podem emanar uma sensação de algo muito ilógico ou errado ou apenas estranho e assustador como é o caso de Jack, o Estripador, que escapou por viver em uma sociedade em que a tecnologia ainda não era tão avançada para ter exatidão e eficiência na procura de um assassino serial – ou muitos outros assassinos que já pisaram na Terra –, mas o mundo é assim. Mesmo algo imperfeito pode ser insolúvel ou invisível à maioria. A vida é mesmo estranha.