Reles

É simplesmente curioso quando você percebe que o mundo é o mesmo estando você fazendo parte ou não.

Eu estava nervoso, havia passado uns dias fora de casa e não tinha avisado para a minha mãe, pelo menos não da forma mais devida, da minha boca saiu apenas a frase _ Vou dormir fora hoje. _ Porém, isso durou três dias inteiros. Um ponto é que sou maior de idade, praticamente adulto, ainda falta-me alguns parafusos para me considerar adulto, mas, mesmo assim, mantenho um grande respeito pela minha mãe, um respeito que anda de mãos dadas com o medo e ao fim do terceiro dia, quando estava voltando para casa, foi somente o medo que me acompanhou. Por mais que eu estivesse nervoso, com as mãos levemente trêmula e a respiração vacilante, o mundo estava numa paz inabalável.

Saí da casa da minha namorada, caminhei apressadamente para um ponto de ônibus, a paisagem ao meu redor estava lenta, quase que num transe geral, provavelmente aquilo partira de mim, após uns cinco minutos de caminhada, eu chego ao ponto, assim que eu chego, o ônibus que eu deveria tomar, passa bem na minha frente, também em câmera lenta, olhei fixamente para o ônibus, alimentando até mesmo uma certa raiva do motorista que por sua vez não me olhou de volta, para falar a verdade, eu diria que ele nem mesmo sabia da minha existência, dirigi-me até o banco do ponto de ônibus e esperei o próximo para poder ir para casa. Minha espera dura em torno de vinte minutos e durante toda essa espera, todas as outras pessoas tomam os seus respectivos ônibus, todos viviam cada um a sua subjetiva calma de uma segunda-feira, ninguém ao menos sabia que eu estava nervoso, fora a parte que olharam para mim com um certo receio assim que eu cheguei e me sentei, ninguém se deu ao trabalho de virar o olhar diante a minha pessoa ali, nervosa e desesperada, cada um pegou seu respectivo ônibus e foram para os seus lares, eu fiquei… Vinte minutos depois o meu ônibus chegou, eu o tomei de sobressalto.

Durante o caminho que devido ao horário, pareceu até mesmo mais curto do que o de costume, todos cuidavam de suas próprias vidas, uma parte liam livros, que eu nunca tinha nem ouvido falar, outra parte estava hipnotizada com as telas de seus aparelhos celulares, seja jogando, conversando, ou, lendo livros digitais, que por sua vez são escolhidos como material de leitura, pelo espaço que se poupa de um livro físico, por fim, uma última parte procurava o que olhar pela janela, por mais que esse caminho seja feito cinco, ou, seis vezes por semana, não os culpo, eu sou desses também, creio que eles também estejam pensando na vida, talvez, também estejam tendo um dia bosta, nunca poderei saber a certo e aparte todos esses grupos, lá estava eu, tão nervoso quanto eu estava subindo a rua em direção ao ponto. O trajeto seguiu-se tranquilo, o motorista dirigia tranquilamente, como se ele não tivesse que chegar o quanto antes em casa e de fato ele não tinham mesmo, quem estava preocupado com isso era eu, o motorista guiava o ônibus normalmente, atendendo a cada placa de limite de velocidade, de pare e entre outras, respeitava o semáforo, ele era literalmente um motorista exemplar, non entanto, eu queria que o sujeito fizesse o contrário de tudo o que eu relatei agora, queria que ele andasse no limite da velocidade do veículo, furasse todos os sinais vermelhos e que de preferência fosse um expresso até o ponto em que eu descesse. No final das contas ele não faria isso, ele nem olhou para mim quando eu subi no ônibus e agora, nem mesmo sabe que eu estou aqui, querendo que ele corra como se não houvesse amanhã.

Fora os meus pensamentos caóticos e frenéticos, a viagem foi tomada pelo silêncio, ninguém se olhava, a cada ponto que o ônibus parava, ouvia-se tímidos pedidos de passagem, quase inaudíveis _ Com licença. _ Eu ouvi algumas vezes, ninguém nem mesmo percebeu o quanto nervoso eu estava. Logo chegou o meu ponto; chegou a minha vez de pedir licença para poder saltar do ônibus, piso os meus pés na calçada da avenida e olho em volta, está exatamente como estava na sexta-feira, os mesmos tipos de olhares, uma paz de espírito que é praticamente um reboco sobre seus infernos pessoais, no fim das contas, “ninguém tem pena de ninguém.” Admito que eu mesmo não faço questão de saber o que se passa na cabeça de ninguém aqui, provavelmente o sujeito ancorado no balcão de bar de fronte para onde eu estou esteja pensando em matar a mulher, que ele acha que esteja traindo ele, não sei e não ligo, a única coisa que eu penso é que minha mãe vai me matar e que depois disso, não terei que pensar e mais nada.

Enquanto eu subo a rua que dá para a minha casa, um silêncio praticamente sufoca o lugar, escuto as televisões, as caixas d'água enchendo, os cachorros latindo e os gatos miando, principalmente os cachorros na rua que me estranham sempre, não entendo o porquê disso, eu nasci e me criei aqui e eles me veem como um estranho, geralmente eu me irritaria com isso, porém, não dei atenção para eles, mesmo assim os cachorros latiam lunaticamente para mim, nem mesmo os cachorros tão sensitivos percebem o quanto estou nervoso, um desses pestinhas até mesmo tentou morder a minha perna, cãozinho desgraçado… Viro a esquerda e estou realmente na minha rua, passo entre os bares, onde todos que estão ali me olham e me cumprimentam, eu os cumprimento de volta, eu poderia dizer que se trata do efeito do álcool e das drogas de alguns, no entanto, mesmo se estivessem sóbrios, ninguém entenderia o quanto estou nervoso com isso tudo; chegarei em casa, abrirei a porta e minha mãe vai me matar e assim se resumirá o meu fim de vida. Nem de longe parece algo triste.

Chego em minha casa, olho para o alto e respiro fundo, abro a porta e entro, da mesma maneira que estava toda a minha odisseia medíocre, a minha casa estava tomada pelo silêncio, faço questão de ir até o quarto da minha mãe, ao chegar até a porta dela, eu vejo que ela está dormindo, bato na porta e assim que ela abre os olhos, eu me reprimo apenas em um _ Boa noite. _ ela responde ao meu cumprimento e em seguida me dá uma bronca, da mesma forma que se dá quando um filho apronta algo bobo, como quebrar um copo, escuto em silêncio, o mesmo silêncio que me acompanhou durante o caminho todo, logo que ela termina de falar, fecha os olhos novamente e volta a dormir, meu coração quase para, mediante a freada brusca pelo fim do meu nervosismo… Assim que eu vou para o meu quarto e me largo na cama, o silêncio e a calmaria tomam conta de mim, agora eu faço parte do mundo de novo e tudo está como esteve antes.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 16/06/2020
Reeditado em 05/08/2020
Código do texto: T6979052
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