BICADA NO PÊSSEGO
Dia desses, quando eu retornava da labuta cotidiana, perambulando a rua que liga à Santa Maria de Jetibá, já próximo a minha residência temporária adentrei o recinto de um pequeno hortifruti pela primeira vez. Fui espionar a variedade de produtos, a qualidade do que estava exposto e uma fruta com fina casca peludinha, de forma estranhamente arredondada, com um apêndice na sua porção inferior, fitou meus olhos assanhadamente. Devido minhas experiências nada boas em comprar pêssego, fiquei receoso, em um primeiro momento, de levar para casa aquelas frutinhas tão charmosas por sua aparência. Mas e o conteúdo? Nessa dúvida cabal, regressei à atividade de perícia pelas bancadas do estabelecimento buscando outros olhares ousados, formas peculiares, cores chamativas e odores incomuns.
Não encontrando nada que chamasse atenção pelas prateleiras, retornei ainda confuso ao balcão onde permaneciam sossegados os pêssegos. Carinhosamente apalpei aquela pele macia, senti uma rigidez na medida, inalei aquele odor de fruta ainda “de vez”. Analisei todas aquelas sensações – tato e olfato aguçados – e com base na minha estatística sensorial resolvi levar para casa uma meia dúzia daquela fruta. Paguei a conta batida na balança e caminhei alguns metros até o prédio que resido. Ganhei a escadaria e, no último piso, entrei na minha humilde residência ansioso para descobrir o universo de sabores daquela fruta.
Antes mesmo de despejar os pêssegos na fruteira, ao acaso apanhei um deles da sacola para tirar a prova real daquele assanhamento descabido na prateleira do hortifruti. Lavei-o delicadamente em água corrente e, imediatamente após a higienização, de olhos bem fechados, dei uma mordida bem cravada naquela fruta, rasgando a pele macia e adentrando os limites da polpa carnosa que salivava pela minha boca. Os receptores sensoriais da gustação presentes na minha língua informavam desvairados ao meu cérebro aquele alto teor fruitivo. Meus olhos, já abertos, repuxavam para cima devido àquela mistura certeira de doce e azedo no corpo daquela fruta. Nunca havia apreciado um pêssego tão saboroso quanto esse. A vontade era de provar mais um, entretanto não tive esse novo prazer. Segurei-me para só no dia de amanhã me esbaldar pelo oceano de gostosura daquela fruta.
Realmente, todo aquele frenesi pessegueiro, pelos balcões do hortifruti, foi uma previsão de um deleite inigualável ao entardecer. Devido à falta de sorte não topei mais com aqueles olhares nada arredios.