Dona Maria da Silva Santos, todas elas
Dona de casa é uma coisa engraçada. Já se habituou a viver na preocupação. Se alguma coisa quebrar dentro de casa, um chuveiro, uma torneira, ou qualquer outra coisa, já entra logo em desespero. Chama o marido, ou qualquer outro homem da casa. Chora o problema e implora que ele venha logo consertar.
Não é que façam por mal. Elas, as tradicionais ao menos, são focadas nisso, serem donas de casa. Vivem para os filhos, maridos, gatos, papagaios e periquitos, enterradas em seus afazeres, se realizando em suas tarefas e no sucesso de seus rebentos, não que isso seja ruim, longe disto: é uma bênção.
Elas Saem. Claro que saem! Ao supermercado, ao açougue, às lojas muitíssimo de vem em nunca, e isso é um programão. É nessas saídas que se relacionam, que interagem com estranhos, nas filas dos mercados, olhando o preço do tomate, que ultimamente anda valendo ouro. Ou o preço do feijão, que andou altíssimo um tempo desses.
As que tem uma religião, as que frequenta assiduamente alguma igreja ou templo, ainda se ocupam mais (se se completam) fazendo algum tipo de trabalho útil para sua comunidade. Seja como secretária de algum departamento, tesoureira, cozinheira da cantina, regente, música, palestrante ou professora da religião, cuidadora de crianças ou qualquer outra função. Tudo é válido para ser completar (a se e a seu tempo) e se realizar enquanto útil em mais de um lugar.
Outro dia, conversando com uma dessas senhoras, ela me confidencializou (nem tão confidente assim, mas de boca alta para quem quisesse ouvir) que, por conta do forçado isolamento social, necessário por causa do coronavirus, sua vida de lavar, passar, cozinhar, cuidar de marido e dormir estava tão sem graça e entediante. Sentia falta do seu espaço religioso, onde se completava sendo útil em sua ocupação.
Soube, outro dia, de uma outra nobríssima senhora, ocupadíssima nas tarefas do lar, e já há muito cansada do peso da vida e de suas responsabilidades, que quase dez da noite, após todas as tarefas do dia, após cozinhar e alimentar sua trup, já sentada para assistir a merecida novela (já pegou o capítulo avançando), ouviu barulho de chuva. Imediatamente gritou “É chuva?!” já perguntando e respondendo que não tinha paciência para esperar a resposta dos filhos (muito lentos no dizer dela). Foi já se encaminhando para a porta dizendo que ia tirar a roupa do varal. Uma filha interveio: “Que roupa? Não vi nenhuma roupa no varal!”. Ela de pressa respondeu: “A da vizinha da casa de cima. Vi que ela colocou a roupa no varal agora já à tardinha”.
Dona de casa é mesmo muito engraçada. Anda ligada no piloto automático para produção do serviço doméstico e, na maioria das vezes, é tratada como pião de produção. Vivo me perguntando duas coisas: uma é “Quando aprenderemos a dar valor a essa categoria da sociedade”. A outra coisa é “O que aconteceria se lhe tirassem tudo isso: o filhos (casados, e cuidando de seus próprios netos), o marido (separado ou já falecido), o muito serviço de casa (ela sozinha em uma casa não daria quase nada de trabalho), o que ela faria, o que seria, de que se ocuparia? Será que se lembraria que, acima de tudo (esposa, mães, dona de casa, avó) é um ser humano e uma mulher, que requer cuidados?”.
Marta Almeida: 06/06/2020