PIEDADE
Estou sentado à mesa fitando a tela branca do notebook e, de repente, por uma leve distração, vejo uma miscelânia de fotografias expostas em um porta-retrato escorado na estante da sala. Uma daquelas imagens, porém, me chama atenção por dois motivos: uma que eu estava uns cinco anos mais jovem, meu físico era mais franzino e meu visual estava bem cuidado; a outra causa é que aquele foi um domingo diferente, repleto de sorrisos quase dia todo. Um turbilhão de lembranças logo se apodera do meu ser, remontando alguns detalhes daquele dia de domingo.
Eu estava em terras mineiras nessa ocasião, respirando os ares da terra da jabuticaba e do ora-pro-nóbis. Mas, especificamente naquela manhã, eu estive na companhia de minha namorada, seu pai e as enteadas dele. Zarpamos na Kombi branca pela sinuosa rodovia que liga a Caeté, cidade vizinha. Seguimos em direção à BR-381 e alguns quilômetros antes do entroncamento, viramos à esquerda para subir a montanha da chamada Serra da Piedade. Ganhamos os aclives em alto giro e superamos as nuvens que guardam soberanas o Santuário de Nossa Senhora da Piedade. Ficamos para a missa de logo cedo na friagem de bater o queixo. Após a benção, uma pausa para um chocolate quente cremoso na lojinha da igreja para esquentar o corpo frêmito daquele ar gelado.
Lotamos a Kombi novamente e descemos a serra, agora um pouco mais tarde, já por volta das 11:00 horas. O nebuloso alto da montanha, já despido, revelava a antológica paisagem que existe próximo à capital mineira, um relevo unicamente esculpido pela natureza, resistindo algumas faixas verdes de mata sobre seus morros mamelonares. Uma verdadeira obra de arte. Lá embaixo ganhamos a BR-381 e, próximo à Polícia Rodoviária Federal, entramos no sentido de Santa Luzia para nosso destino de reavivar a calmaria do corpo e da alma.
Chegamos ao pesque-pague e permanecemos por lá a tarde inteira tentando fisgar algum peixe, já sabido que os anzóis repletos de isca eram apenas uma cilada. É, realmente os poços não estavam pra peixe, mas aquele morrer do dia, em cada rosto nosso estava gravado um mar de felicidade. Era um entardecer diferente, cheio de paz, de alegria. Retornamos para Sabará sob muita cantoria a vozes desafinadas, algumas notas travadas na garganta e outras que soluçavam ao errar das letras.
Acredito que essa tarde de domingo teve início abençoado pelas mãos de Nossa Senhora da Piedade, a oração matinal no alto da serra. Que saudade tenho!