Medo voraz

MEDO VORAZ

(*) Texto de Carla Rejane da Silva

Toc, toc, toc... Ouvi, de repente! Quem será? A esta hora da noite quem estaria batendo em minha porta? Perguntei, assim de chofre, consultando meus botões, como se eles tivessem vida e voz e pudessem me dar uma resposta à altura. “Alguém em perigo, ou sou eu, que estou em grandes apuros?”

Ainda meio sonolenta, e preocupada, olhei de lado para onde havia colocado um criado-mudo. Infelizmente mudo e surdo pra variar. Descobri a sua deficiência, assim que o adquiri. Apesar disso, fiz a aquisição e o trouxe para casa. Seria um companheiro que me ouviria sem contestar.

Fizera-lhe algumas perguntas e nunca respondera nenhuma delas. Nada, absolutamente nada. Tentei até mesmo o braile, por fim, cansada e desanimada, desisti de vez. Se assemelhava a bater em ferro frio.

Bem deixa para lá. Foi ai que direcionei meu olhar para o relógio de cabeceira. Caramba! Passava da meia noite. Um calafrio percorreu o meu corpo, medo talvez. Sem acender a luz, caminhei até onde havia deixado meu roupão. Ele estava repousando no encosto de uma cadeira que jazia ali, no meu quarto, como eu me derramava em torno de mim mesma.

Essa cadeira está aqui faz bom tempo. Sempre foi uma companheira fiel, notadamente nas minhas noites de insônia. Passei a mão no roupão, vesti e sai, na pontinha dos pés, silenciosa, todavia, num ritmo meio que cambaleante. Fui até a janela da sala tentando vislumbrar a varanda.

Sem abrir espiei pelas frestas. A noite estava em total escuridão. Um breu medonho. Sequer uma estrelinha para iluminar. Lua, nem sinal. Por conta disso, não enxergava um palmo adiante do nariz, nada, nada podia se ver do lado de fora.

Mas as batidas continuavam insistentes. Tomei coragem. Caminhei até a porta para voltar a espiar. Nada também. Na porta dos fundos, que ficava na cozinha, idem. Bem, se quem batia não se identificasse, jamais abriria, ainda mais sem contactar visualmente o estrangeiro chegado.

Morrendo de medo, e ao mesmo tempo levada pela curiosidade mórbida, voltei ao meu aposento, pé ante pé. Quem sabe a proteção do meu dormitório, a cadeira o criado-mudo me fizessem criar coragem.

O bater incessante na porta da sala não cessava. Além dessas batidas, algo, que agora se encontrava bem pertinho, parecia ter entrado de alguma maneira irreal: eu podia sentir seu hálito, sua presença, através dos passos no corredor.

Como se estivesse tentando me encarar no escuro. Como louca, uma senil de carteirinha, corri, e me atirei debaixo das cobertas, tapando o medo e também a cabeça e os pés. Nessa altura do campeonato, eu é que não vou me atrever a perguntar quem é.

“Não adianta você se atrever a me tocar -, porque a minha porta, pra você, não abrirei”. O barulho lá fora e aqui dentro, numa intercalação estranha ficou mais ensurdecedor. Voraz como se o intruso quisesse se apoderar de mim de qualquer jeito. Meu Deus, quem batia, quem me importunava? O que me esperava, se de repente, resolvesse partir para cima dos meus receios?

Como num filme de terror percebi que a coisa horripilante, não estava no escuro, mas sim dentro do meu quarto. Havia escutado e sentido a sua presença. Derrubara alguma coisa perto do guarda roupa. Fiquei estupefata, paralisada, amedrontada, imaginando que seria meu fim. Um terrível e amargo despedir da minha vida, vivida e revivida.

Senti seu aproximar da minha singela e protetora cama. Nada podia fazer. Eu ali deitada, subjugada, como podia me defender? Fechei os olhos esperando que a coisa a ser realizada fosse rápida e sem dor. Eu sentia que meu corpo estava ficando frio, gélido como se eu estivesse me petrificando por inteira.

Meus pés e minhas mãos, coitados, pareciam picolés. Petrificada, sem me mexer, sequer respirar, fiquei aguardando meu fim. Aguardei e aguardei. Depois de muito tempo de espera, decidi dar uma nova espiadela, um relance rápido em torno do escuro, bem devagarinho. Fui afastando o cobertor de minha cabeça. Vi, assustada, quem me aterrorizava por horas a fio.

“É você... – gritei, furiosa - É você que veio do nada para me incomodar, me desesperar? Brincadeira mais sem graça. Ok, pra mim chega. Já deu, basta!” Com certa raiva, fui até o guarda roupas, peguei alguns cobertores e voltei para o aconchego da minha caminha quentinha. E o silêncio se fez mais denso e se as batidas continuaram nem sei dizer. Apenas me acomodei buscando me aquecer.

“E quanto a você – disse ao meu algoz, fique a vontade, porque comigo você não vai dormir”. Ato continuo, fechei de vez meus olhos e me preparei para algumas horas de sono que ainda me restavam até que o dia voltasse a nascer. “Fique a vontade, ‘SENHOR FRIO’“. E adormeci feliz.

Texto de: Carla Rejane da Silva, de Vila Velha, no Espírito Santo.

Carlasonhadora
Enviado por Carlasonhadora em 29/05/2020
Código do texto: T6961797
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