O Mito e o Seguimento de um Segmento

Este texto não pretende ser um ataque e nem um contra-ataque às posições que defendem o modo de ser e o modo de governar do presidente Jair Bolsonaro, antes um pensamento sobre entender um fenômeno social tão presente quanto importante e, talvez mais do que isso, o que faz com que a sua razão corrobore o que a maior parte das pessoas considere inconcebível.

Posto isto, faz-se importante o aviso. Se você que me lê é daqueles que considera “mimimi” tudo o que venha em desconformidade com o que representa a sua maneira de ver a nossa realidade social, o convite é para que encerre a leitura já neste ponto”.”

Pois, por falar em razão, aqui do nosso posto de observação, algo ali fora nos leva a perguntar quais seriam os elementos que fundamentam justamente a irracionalidade.

A pessoa humana é um ser racional. Então, não estamos a querer classificar pessoas com a falta de raciocínio ou com o suposto fato de não serem dotadas de razão, pois as estaríamos colocando no mesmo patamar dos animais e das feras. Por óbvio não seria esse o sentido.

Talvez queiramos admitir a ausência de razão no sentido da falta de lógica, de clareza de ideias, da clareza de pensamentos. Uma instância irracional traduzida por um ponto de vista, uma posição, ação, prática, ou mesmo uma “crença” sem o devido embasamento racional.

Referimos, pois, ao absurdo, no sentido da característica daquilo que é contrário à sensatez e ao bom senso, da desconformidade com os ditames da razão. Desta forma, obviamente, podemos admitir que se tenha algum indivíduo – ou um conjunto deles – que tenha algum defeito na sua capacidade de raciocinar, por qualquer motivo, um motivo circunstancial (talvez contaminado), que seja.

Há um consenso científico – com elementos racionais bem definidos –, uma concordância ou uniformidade de opiniões da maioria dos membros de uma coletividade mundial sobre a maneira de se lidar com a crise pandêmica que estamos a sofrer.

O que pode levar à negação pura e simples da situação fática que está bem à frente dos olhos de todos e com uma asseveração da ciência, de crédito profundo, que está arduamente trabalhando no seu combate, sem nenhuma aparente conspiração mundial – convenhamos –, senão uma ausência do compreender e do ponderar?

Senão uma irracionalidade humana?

Mas não é só isso: a questão da pandemia. Há algo que nos transparece como que um pensamento único entre uma parcela da nossa população para algumas coisas que tem a ver com agressividade, falta de boas maneiras e a violência como ferramenta de resolução de divergências. O que diferencia o ser humano é a racionalidade e, por conseguinte, a sua falta tende a igualar um modo de comportamento.

A alternativa seria o que a filósofa alemã Hannah Arendt já denominou de a banalidade do mal, que é quando a razão tem os seus motivos técnicos para agir contra a humanidade; quando o indivíduo de muito longe está de ser um lunático ou um monstro. É uma racionalidade seca e vazia, não é a razão sobre o pensamento, é a racionalidade destrutiva.

Um exemplo claro disso é o conjunto de coisas que cerca o nosso presidente. O Sr. Jair Messias Bolsonaro é um homem irascível – isto não é uma ofensa, antes uma constatação de uma característica pessoal, tanto que seus seguidores o identificam como uma pessoa que responde ali, no calor dos acontecimentos: “cutucou, levou”, justificam com orgulho –, é uma pessoa autoritária, não é dada a reflexões e nem a ouvir opiniões sobre os temas sobre os quais vai se manifestar, e sempre se mostrou favorável a soluções violentas, seja apoiando a tortura no passado ou o uso de armas para matar pessoas – ele mesmo já se colocou como um ser que a única coisa que ele entende é de matar pessoas, por ter sido capitão de artilharia do exército.

Veja-se, não há aqui, até agora, uma crítica desfavorável à sua conduta corriqueira, apenas a constatação de fatos. Essas coisas ele mesmo diz sobre si mesmo. Esse jeito violento de ver a realidade social é da sua própria bandeira. Vemos, pois, uma pessoa que só consegue se manifestar num único diapasão, da sua forma mui rasa de pensamento, monocórdia, sem nenhuma base reflexiva e sempre de forma contundente.

“Isso é ele”, dizem seus admiradores. Adoram as suas respostas diretas em estado bruto, com costumeira falta de civilidade na maior parte das vezes. É autêntico! Espontâneo! Não faltam “kkk’s” nas redes sociais para as suas respostas contra quem o critica. Não é verdade?

Será isso o desejável?, eu me pergunto. O homem racional não se rende aos extremos, pelo contrário, sempre age com equilíbrio, o equilíbrio da racionalidade. Uma pessoa na sua posição deve ser reflexiva, deve ponderar o que vai ser dito pois terá muitas consequências a sua palavra. Mal comparando, autêntico ou espontâneo é o meu cachorro, que vai tender a morder se lhe pisarem o rabo. A sinceridade, considerada uma virtude, por exemplo, tem dois vícios associados: a sua falta, a falsidade, e o seu excesso, a indiscrição. Um estadista é outra coisa. Mas seus apoiadores também dizem que o seu eleitor quer que ele seja assim. Será?, eu me pergunto novamente.

O Sr. Jair Messias foi eleito democrática e legitimamente por 55% do nosso colégio eleitoral. As ciências das pesquisas nos dizem que o seu apoio hoje é em torno de 30%, com viés de baixa. Muitos dos seus então eleitores, pois, hoje, depois de refletir sobre o que aconteceu neste passado recente, não lhe sufragariam o voto. Parece que nem todo seu eleitor quer que ele seja assim, não é mesmo?

O Sr. Jair Messias, devemos reconhecer, procura ter também senso de humor. Entretanto, o seu senso de humor costuma ser chulo, grosseiro, de baixo calão por vezes, para não dizer obsceno. Alguém com um mínimo de sensatez pode achar engraçado ele, como presidente da nossa República, se referir a uma missão diplomática chinesa com o dedo polegar numa pequenina distância com o dedo indicador perguntando se “está tudo pequeno aí?”, com um sorrisinho sacana diante de um grupo de chineses risonhos? Ou se referir a um Ministro de Estado que ele ia fazer um “troca-troca” com outro ministro que ia substituí-lo no púlpito a seu lado em um evento oficial? Ou cancelar sem justificativa um compromisso diplomático para, em seguida, postar um vídeo cortando o cabelo? Convenha-se. Mas tem gente que acha engraçado, sim.

O Sr. Jair Messias é, outrossim, considerado uma pessoa misógina. É disto apontado pelas diversas vezes que fez risíveis comentários em referências às mulheres, tantas vezes querendo bancar o machista engraçado. É taxado de homofóbico e racista, também há inúmeros exemplos fundados na sua conduta pessoal.

Vejamos que não se está aqui, novamente, a fazer ataques gratuitos ao Sr. Jair Messias, antes a não esquecer de apontar o tipo de atitudes e piadinhas que costumam ser proferidas por ele mesmo. Muitos exemplos mais não faltam. E a pergunta: são maneiras, além do pessoal, de um presidente de uma nação como o Brasil se comportar, ao seu ver, você que me lê? E ainda não se está a abordar o lado político, tão importante para uma pessoa que está na posição do mandatário da nação.

Pode-se dizer, sem se estar a fugir da verdade, que o Sr. Jair Messias não é uma pessoa elegante. E isto nada terá a ver se o seu terno é bem cortado. Tem relação com a altivez com que uma pessoa se expressa nas vezes em que é demandado – às vezes por ele próprio – e com a sua forma de lidar com as situações, sejam elas de circunspecção e sisudez no rigor da liturgia ou então em momentos de descontração e informalidade.

Apenas como exemplo comparativo, a extrema simplicidade no vestir do ex-presidente uruguaio José Mujica não mascara o tino e a sensatez com que este senhor se dirige a seus interlocutores, pois não? Tudo isso, por favor, passando ao largo de ideologias políticas.

Nós, aqui no nosso país, não vemos do Sr. Jair Messias uma reflexão inteligente sobre qualquer tema. Qualquer um. Não temos essa experiência de ver um comentário ponderado, considerando aspectos diversos e contraditórios, prudente e a evitar juízos precipitados, sobre a geopolítica mundial, ou não, ou outro tema, sem que haja a necessidade de se abster de firmes posições. Postura como se via, também passando novamente ao largo de posições políticas ou avaliações de espírito público, no ex-presidente Fernando Henrique, ou no ex-presidente Lula – não na ex-presidente(a) Dilma Rousseff –, apenas para se fixar num passado mais recente. O que se vê, antes, é uma impulsividade na sua conduta que causa ao país mais problemas do que alinhamentos que sejam estratégicos para o Brasil. Há alguma incorreção nisto?

Não o vemos a liderar um processo quando ele é difícil, complexo, multidisciplinar, que demanda capacidade de receber informações de áreas diversas, dialogar e sintetizar as melhores ações para aquela questão. Não; o que vemos é uma total incapacidade de saber fazer esse tipo de coordenação e de gestão.

Na sequência de eventos que concernem ao governo do nosso país, a falta de ponderação com que o presidente dá tratamento a eles, aos poucos, o vai desqualificando como líder nacional.

Não, a maneira do Sr. Jair Messias resolver controvérsias é na base do confronto. Tudo para ele é confronto e enfrentamento; é choque. A qualquer observador fica patente que ele mesmo busca essa situação para resolver qualquer questão. É a necessidade de se estabelecer o conflito para se entrar no terreno dele e a coisa ser resolvida com a sua autoridade, nem que seja pela metáfora da caneta e sua tinta. É a sua zona de conforto. É ali o único campo que ele sabe jogar. Saber ouvir, ponderar e argumentar antes de exercer republicanamente a sua autoridade não está no seu cardápio.

E há pessoas que entendem que isto está correto. Dizem que votaram nele para ser presidente, não votaram para ele dividir o poder com o congresso (esquecem-se da representatividade do legislativo) e com o Supremo Tribunal Federal.

Mas talvez não seja ele, de per si, o objeto a ser investigado aqui.

O que se procura pôr o olhar é sobre a maneira que se dá essa parcela do apoio popular que lhe é fiel. Ele cria um tipo de fidelidade que abstém da inteligência. É um tipo de relação que acaba por mascarar a incivilidade em nome da sua própria razão instrumental, a que se volta contra os outros segmentos que não sejam do seu estamento.

Há uma certa ampliação da questão quando falamos do chamado bolsonarismo e dos bolsonaristas – das pessoas que lhe são de apoio incondicional. Incondicional mesmo, sem terem qualquer reflexão sobre as ações e atitudes do presidente. Fazem a sua defesa protestando contra os seus críticos, os supostos e odiosos detratores, a seus olhos, não raro chamados de canalhas, hipócritas e corruptos nas redes sociais. De novo, não há aqui nada de novo e muito menos invencionices gratuitas, são diárias essas manifestações nas redes.

Pois preocupante, por certo, ao olharmos a nossa sociedade, é o conjunto de pessoas que o seguem sem refletir. Pior ainda, replicam o seu raso conteúdo sem a menor avaliação própria, de um modo, nos dias de hoje, inconcebivelmente cego com a quantidade de fontes de informação que se tem.

De primeira, alguns bolsonaristas dizem que votaram nele e votarão novamente, e quem não gostou “que vaze”. E que nem venham de “mimimi”. Veja-se que não há a menor permissão à tolerância porque quem não votou como ele prefere que vá embora da sua vida. “Mimimi” é o nome que ele dá a argumentos, se não forem da sua “crença”.

É uma coisa estranha o bolsonarista se rebelar nesta situação atual e ter uma postura de protesto quando é o seu “messias” que está no comando. É bizarro. Postura rebelde contra o quê, se o governo é exercido por ele, Jair Bolsonaro? Lembra a história do cúmulo da rebeldia, que é quando o cara mora sozinho e resolve fugir de casa.

De outra maneira, é a mesma postura de confronto. A simples existência do contendor já é justificativa para o ataque, ou para o contra-ataque, tanto faz.

Vejamos que as defesas que se fazem do Sr. Jair Messias são sempre fundadas em relação com um outro. Às críticas sobre algum posicionamento ou decisão – dele, diga-se, não de outrem –, são contrapostos argumentos, por exemplo, de que “não há corrupção massiva”.

(Seria oportuno abrir um parêntesis nesta hora, pois no mínimo há desconfianças que não são descabidas sobre as relações do clã Bolsonaro com a delinquência, sem querer entrar em detalhes, e sobre as suas atuais alianças políticas, que deveriam ter uma atenção mínima dos seus eleitores, fora da cegueira.)

Ou então as do tipo: E o Lula?, como se qualquer avaliação pretérita sobre outros governantes pudesse conceder um tipo de salvo conduto ou uma carta branca para qualquer ação ou atitude. Não mesmo, não num ambiente minimamente inteligente.

Dão-lhe absolvição absoluta ao chamar genericamente os políticos todos de corruptos. E que no congresso só grassa a corrupção. E que, por isso, só fazem atrapalhar o seu governo. Convenientemente se olvidam que ele mesmo, o Sr. Jair Messias é um político, e dos mui antigos. Olvidam-se que seus filhos também são políticos, todos eles (menos os que não tem idade), com mandatos no poder legislativo. E cada um com o seu interesse, como qualquer um. Como qualquer um. Por um evento etéreo para eles não vale a qualificação universal, convenientemente. Todos os outros nessa relação democrática representam estorvo e obstáculos para as suas ações em prol do Brasil. Não é assim?

O Sr. Jair Messias, ora, deveria ser defensável intrinsecamente, e não porque os outros existem ou porque foram supostamente piores. Aqui temos uma constatação irrefutável: o problema do Sr. Jair Messias não é externo, é interno. O que se analisa e o que se eventualmente critica são as “suas próprias ações e suas próprias atitudes”. Não são as dos outros, quaisquer que sejam.

O bolsonarista – este do quase um terço de apoio incondicional e que vai ficar mais ou menos nessa faixa –, quando visto mais de perto, tem correspondentes ideias para a sociedade: violentas, autoritárias, armamentistas, sem empatia, anti-intelectuais e pseudorreligiosas". O bolsonarismo assumiu as características de uma seita cujos membros estão dispostos a seguir seu líder incondicionalmente, até a morte. “Estamos prontos para morrer pelo capitão”, já vimos e ouvimos por aí.

As contradições humanas, que obviamente fazem parte do gênero humano, são solenemente ignoradas pelos bolsonaristas em relação ao seu líder. Não há. Nem os seus próprios desmentidos, incríveis por vezes, são levados ao escrutínio da razão. Para o bolsonarista parece não haver o contraditório, ou a opinião discordante, o seu raciocínio é completamente motivado: só acredita naquilo que confirma a sua visão de mundo, as suas esperanças e os seus preconceitos. Tudo o mais não tem validade.

De tão inquietante, vale perguntar: por que isto ocorre?

Precisamos reiterar aqui que não se quer ferir susceptibilidades, magoar, injuriar e muito menos ofender quem quer que seja. Intenta-se entender que circunstâncias e quais os parâmetros sociais estão presentes em um movimento tão importante quanto ruidoso no seio da nossa sociedade.

Ao se raciocinar sobre o tema vê-se que a credulidade e a lealdade devotada ao seu líder vem do discurso dele desde sempre. O que o Sr. Jair Messias já falou e fala cala fundo nesse bolsonarista que convivia conosco e não nos apercebemos. Essas pessoas concordaram com o pensamento de Jair Bolsonaro em algum momento e, sendo assim, irão ter que, em algum outro momento, revisar a sua própria prática de pensar e agir em face da humanidade. Pois o discurso do Sr. Jair Messias não é abstrato, o ato da fala é concreto e causa efeitos.

Quando o Sr. Jair Messias era um deputado do setor inferior do chamado baixo clero – sem nada produzir por sete mandatos (28 anos) – e falava aquelas barbaridades em plenário (de que vamos nos abster de repetir por tão evidentes) que todos achavam inócuas, por desacreditadas, uma parcela das pessoas concordava em silêncio.

Ao se lançar como um candidato à presidência, sem se entrar nas condições que pavimentaram esse caminho, o discurso ouvido por tanto tempo e que estava em latência tirou pessoas do seu calado comportamento. São as pessoas que tinham suas aspirações e convicções internas vibrando no mesmo comprimento de onda de alguém que tinha a bárbara coragem dos impropérios. A “coragem”, bem entendida no seu próprio sentido. São as pessoas que têm a mesma maneira de ver o mundo.

Esta parte do eleitorado que o elegeu (a outra parte era dos que apenas queriam mudança e não viam outra opção), e que denominamos “os bolsonaristas” para este exercício, os tais da fração, hoje, de um pouco menos de um terço da população, são pessoas que têm essas mesmas características de autoritarismo, de gostar de resolver as coisas na marra, pessoas racistas, misóginas, homofóbicas, que simpatizam em ter a posse de uma arma de fogo para usar contra um semelhante. Pessoas que tem o DNA de uma sociedade brasileira genuinamente escravagista. São pessoas que já vimos existirem em outros momentos da história da humanidade. São as pessoas “iguais” a ele, em qualquer composição ponderada desses atributos.

A voz de que eles se sentiram portadores nesse último ano e meio trouxe junto uma falta de uso da razão para poder discernir o que tem de positivo do que tem de negativo e criticável nos desígnios da nação.

Essas pessoas não discutem se a propriedade dos meios de produção deve mesmo ficar cada vez mais concentrada em poucas mãos, deixando o livre mercado arbitrar a liberdade do indivíduo, ou que tamanho deve ter o conjunto de programas sociais em um país com tantas desigualdades como o nosso. Não. O que essas pessoas discutem implacavelmente é a destruição dos corruptos do sistema legislativo e a desintegração da nossa corte suprema, formada por “vagabundos inimigos do povo”. Discutem a aniquilação dos outros poderes que formam o equilíbrio de uma democracia, na concepção de um tal de Montesquieu e que é praticada nos países mais desenvolvidos, para que as ações do seu presidente, livres de quaisquer críticas e obstáculos, possam ser tomadas autoritariamente. Ou não é exatamente isto o que está a acontecer?

Repita-se, são pessoas que apoiam ações de força, apoiam o fechamento do congresso e do supremo tribunal, na intenção de deixarem o caminho livre para as outras ações de força numa governança sem oposição. Veem isso como se fosse uma defesa da democracia, “quando é o contrário por conceito indubitável e indiscutível”. São pessoas que, por tudo isso, apoiariam um golpe de estado. São pessoas que não raciocinam e não enxergam que quando o então ditador tomar, no futuro, atitudes que porventura eles não concordem ou que venham contra os seus direitos, não encontrarão os instrumentos democráticos para lançarem mão na sua defesa.

Veja-se, em resumo, não há nada contra se essas pessoas são adeptas de um capitalismo, do neoliberalismo, da socialdemocracia, e de qualquer vertente, se são ferrenhos contrários ao socialismo, por exemplo, tudo isso faz parte do debate democrático. Mas isso não passa pelo “seu” debate. O seu protesto e a sua guerra é contra o equilíbrio do sistema democrático que está em vigor sob a égide, sob o amparo, da nossa constituição federal. E replicar o presidente como sendo isso em defesa da democracia – e do povo! – não guarda fundamento em qualquer raciocínio lógico, coerente e razoável.

O Bolsonarismo não tem pauta política. O Bolsonarismo tem a ver com a cega e impensada submissão do seu integrante ao que diz o seu líder, o seu messias. É um movimento puramente personalista. E, como movimento personalista, nada mais antidemocrático. Tem fundamento unicamente nas barbaridades expostas por ele como maneira de dar tratos à bola: autoritarismo, violência social, racismo, misoginia, deseducação, jeito agressivo e impositivo de tratar e resolver as coisas, pois não temos exemplos de reflexões inteligentes. Colocar essa pessoa numa posição de mito é da mesma natureza de infantilidade emocional do que colocar alguém da vida pública como super-herói americano, com direito a bonecos de tanguinhas em manifestações no parque.

Há uma clara diferença, inteligível, na percepção da realidade que não tem nada a ver com ideologia política ou preferência social de qualquer categoria. A diferença entre ler uma notícia e captar o seu significado e ler uma notícia e não captar o significado. O ponto distintivo, aqui, por exemplo, é se ler uma notícia sobre uma agressão aos preceitos democráticos e entender com uma propaganda democrática. É uma evidente falta de capacidade contestatória àquilo que se lê e àquilo que se ouve.

É essa falta de razão, já colocada no início deste texto, o maior problema e o mais preocupante objeto de inquietude que pode haver numa situação como a atual.

Pela falta de juízo crítico, pela “irracionalidade”, há a unificação do pensamento das pessoas que gostariam de ver tudo resolvido pela sua ótica, sem argumentação, ou sem “mimimi”, nem que seja na base da força, “na marra”, como já apontado. Não é à toa, pois, essa sua vertente hostil e aguerrida, inclusive, de xingar autoridades, agredir profissionais de imprensa e até profissionais da saúde que estão a lutar por condições na faina de salvar vidas.

A extensão dessa irracionalidade é aterrorizante e ameaça arrastar a nossa sociedade para a escuridão.