Casos de Família - Os Pereira e o Bairro São Francisco

Os Pereira, filhos de Alexandre Pereira Neto e Isabel Pereira, nasceram no bairro São Francisco, em Pitangui, MG. As características de cada um foram o tema de minha crônica mais recente. São meu pai, Dininho (Ubaldino), e os irmãos William, Eugênia, João Jacques, Fausto, Laura e Tito.

Os Pereira nasceram e, principalmente, cresceram entre famílias conhecidas de outras gerações. Dessa convivência criaram-se amizades e mesmo laços de casamento, como o do meu tio Fausto com a tia Nazaré, filha do Olímpio Nunes. Os filhos do “Seu” Olímpio, Patesko, Eli, Márcio, Jacintinho e Nírio eram iguais a irmãos para os Pereira. Os filhos dos Nunes, em especial Carlos Hamílton (Mita) e Carlos Wagner, filhos do Eli, Márcio Antônio, filho do Márcio, e Carlos (Camelô), filho da Lourdes e do Homero Valadares, tornaram-se meus amigos e de meus irmãos. São famílias, como dizem, chegadas. Além dos Nunes, cito os Barros (João de Barros Filho), os Xavier (Joaquim, Dirceu e Dirceuzinho, três gerações), os Baía (Erecina Baía Soares, parentes pelo lado de meu avô Alexandre), e os Oliveira (Raimundo, Hermiro e Davi).

O Bairro São Francisco

Algumas das informações sobre o bairro São Francisco são lembranças sentimentais e podem não ter consistência histórica. Portanto, consumam com moderação.

O bairro tinha - e ainda tem - personalidade: prédios antigos, como o Grupo Velho ou o sobrado de Maria Tangará, todo lendas e história colonial, ponto turístico da cidade; o Grupo Novo; o Asilo; a Santa Casa e sua capelinha, de frente para a praça; a Maternidade; o Pavilhão Benjamim Guimarães; a igreja que dá nome ao bairro, construída em 1858, com o famoso sino que gerou o ataque das abelhas aos fiéis num Domingo de Ramos, na década de 80 do século passado. A propósito, abordei esse fato em crônica publicada no Recanto das Letras, pelo nome de “O ataque das abelhas e o gole de pinga”. Quem não conhece, confira.

Por ali, estão também o cemitério antigo e o novo, assim como o velório municipal. Ou seja, no São Francisco você tem essa comodidade: pode nascer e partir para o encontro com o Criador sem ser preciso muita “munha”. Ou “munhage”, no dialeto goiano do meu primo Alex Ivan.

O bairro, como qualquer um, foi sofrendo modificações. Na década de 80, a Praça de Esportes foi ampliada com a construção do Poliesportivo João Albino, tornando o bairro ainda mais importante do ponto de vista das competições esportivas. Havia também muitas casas residenciais antigas, como a casa do Alarico Baía, logo ao lado do Grupo Velho. Um local icônico para os mais antigos era a Mata da Pedreira, uma mina d’água no sopé da serra, atrás do cemitério antigo. Era local de passeios e piqueniques nos dias quentes. Do ponto de vista do esporte, não dá pra esquecer o estádio do São Francisco Futebol Clube, que, por sua localização, logo atrás do cemitério antigo, ficou com o apelido de “Caveirinha”. De acordo com minhas lembranças, o Pitangui Esporte Clube, fundado com o nome de Oito de Maio, em homenagem ao final da Segunda Guerra, passou a dividir com o “Caveira” a torcida futebolística do bairro.

O São Francisco cresceu olhando de cima para a cidade, tendo às costas a serra da Cruz do Monte, de onde descem fios d’água cristalinos para formar córregos onde a criançada gostava (gosta?) de nadar. Foi num desses que os meninos Pereira (as meninas não) foram surpreendidos nadando em pleno horário de aula. A vovó Isabel contava ter chegado de surpresa, catou suas roupas e fez voltar os santinhos pra casa sob o comando de uma vara de marmelo. E passaram pela cidade como tinham chegado ao mundo: peladinhos da silva. Vovó não era mole não. Os gazeteiros Pereira podiam ter evitado isso se tivessem esperado a construção da Praça de Esportes, logo atrás da Igreja, no início da década de 50 do século passado. Mas aí já não teria graça, concordam?

Quando criança, a visita à casa do vovô Alexandre e vovó Isabel era obrigatória. Moravam numa casa antiga, ao lado da Igreja, com um quintal enorme, que dava pra rua de baixo. A casa foi demolida para a construção da casa do meu tio João Jacques. Os passeios do Beco dos Canudos, onde sempre morei, ao São Francisco, foram, inicialmente por causa dos avós, depois por meu tio João Jacques e os primos. Foi aí que comecei a afeiçoar-me ao local. A praça da igreja São Francisco, ampla e ventilada, era muito bem-vinda, depois da árdua subida pelo Beco do Flavinho Gordo, o ligeiro descanso na porta da Matriz, a subida íngreme do Fórum e mais uma centena de metros em aclive pela Avenida Isauro Epifânio. Haja fôlego!

Dali se tem uma vista de toda cidade e, em frente e ao lado da Igreja, a criançada podia jogar futebol, soltar papagaio, andar de bicicleta, jogar bente-alta, brincar de esconde-esconde ou simplesmente conversar fiado. Era também ponto de encontro dos adultos depois de um dia de trabalho.

Do lado direito de quem sobe, armavam-se barraquinhas em épocas próprias. A festa de São Sebastião, por exemplo, era em janeiro. Meu tio Jésus de Deus, casado com a irmã de papai, Eugênia, foi festeiro até mudar-se para Belo Horizonte. Como era músico, também participava da parte artística da festa. Dos leilões, cuidava o Pedro Panelão – não sei seu nome real – com seus bordões e voz apropriada para a tarefa.

Não dá pra esquecer, logo depois da Praça de Esportes, à esquerda, a larga avenida conhecida por Cavalhadas, possivelmente por ali terem sido realizadas as festas representativas da luta dos cristãos contra os mouros na época das Cruzadas. A expressão pitanguiense “fazer cavalhada” quer dizer “aprontar confusão”. No popular, vira “fazê cavaiada” mesmo.

Nessa mesma praça, muitos anos depois, na última administração de Paulo Vasconcelos Carvalho, foram construídos o “Coreto dos Nunes”, família tradicional de músicos de Pitangui, e o Teatro de Arena “Alexandre Pereira Neto”, meu avô, ligado ao teatro local. Homenagem justíssima, não só pelos méritos de cada um em sua atividade, mas também por serem nativos do Bairro São Francisco.

No São Francisco, me sinto bem. Ando por ali de braços dados com a história de Pitangui e, a cada rua, beco ou praça, com a história da família de meu pai.

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William Santiago
Enviado por William Santiago em 17/05/2020
Reeditado em 24/05/2020
Código do texto: T6950314
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