Ponto irreversível
Ponto irreversível
(*) texto de Carla Rejane da Silva
Por alguns milésimos de segundos, me vi no meio do nada, com aquela enorme sensação de desespero. Uma agonia que começava a surgir no meu corpo trêmulo, como se fosse um presságio. Naquele momento estranho, recordei de algumas histórias horripilantes que vovó contava para a família, principalmente aos netos todos sentados a beira do fogão a lenha.
Eram muitas, essas histórias. A que mais me dava medo, sem dúvida alguma a do bicho papão. Ao me lembrar dela, meu corpo todo arrepiou. Senti aquele tremor tomando conta do meu ser. Porém, foi um enorme engano. Aquele calafrio que outrora sentia, não era fruto da minha imaginação. Se consubstanciava em algo mas terrível, algo que estava por vir, só não sabia exatamente de onde e do que se tratava.
De repente, porém, um acontecimento estranho ao meu cotidiano. O chão, aos meus pés, estava chacoalhando, como se fosse um amontoado gelatinoso ou um desses brinquedos em um parque de diversão, tipo daqueles que rodopiam. Nessa engrenagem desengonçada, eu ia pra lá, voltava pra cá, num balançar que fazia minha cabeça girar de modo descontrolado. Meu coração acelerou, fazendo minhas mãos suarem frias. O terror estava visível em meu semblante.
Algo tenebroso, além das minhas experiências, com certeza saia das profundezas... Eu podia sentir em todo meu derredor, e, igualmente, dentro de meu ser, que parecia ser o fim. Como se tudo que existisse precisasse ser removido e renovado. Meu Deus, o que estaria acontecendo? - Por que dessa destruição em massa? Ao distante, gritos ecoavam ensurdecedores, brados que me deixaram petrificada, alarmada, fora de mim. De onde viria, e nessa torre de babel inesperada, qual direção devia seguir? Sai sem rumo, às cegas.
Precisava, naquele exato instante, de respostas. Talvez, aquelas pessoas que ouvia lá fora, estivessem em perigo, necessitando de ajuda. Minhas perguntas de segundos atrás, foram respondida sem muitas delongas. Ao firmar meu olhar adiante, à minha frente, me deparei com pessoas correndo alarmadas, desesperadas em todas as direções, inclusive de encontro ao local onde me encontrava naquele momento.
Atrás deles, algo sinistro e aterrador os seguiam. Uma aberração da natureza, devoradora e fugaz, como um animal gigantesco, sugando tudo que encontrava à frente. A coisa vinha engolindo casas, carros, prédios, animais, plantas, pior, seres humanos, enfim tudo se tragava numa voragem estupenda. Como uma doidivana, desandei a correr, como os demais, amalucada e sem saber em que direção.
A cada passo meu, sentia o bafo animalesco no meu cangote. O pavor tocando minha alma, numa insanidade quase mortal. Nessa corrida incessante, pensei: “será, então assim, que terminarei minha vida, engolida por um ser fantástico, produzido por reações de coisas infundadas”? Olhei ao redor de mim e para cima. Havia um conflito de terror, como se uma bomba tivesse sido solta e devastasse tudo.
Do céu descia uma chuva torrencial com objetos estranhos, como se fossem gotas de chuvas. Não eram gostas de chuva. Continuei a correr em zig- zag, como se estivesse em um jogo de futebol americano, me desviando de tudo e de todos, me protegendo ao máximo. Senti-me tal qual um rato escapulindo de um gato de dentes fatais. Nesse desatino cruel, e num piscar de olhos, uma nova loucura entrou em cena. Tudo ficou em silêncio, não se ouvia nada, absolutamente nada.
No ar apenas o cheiro de poeira, misturada a fuligem, impregnava meu nariz, me fazendo tossir. Encontrava-me, da cabeça aos pés, coberta de detritos fétidos, embrulhada naquele abandono cruel. Se me visse diante de um espelho, enxergaria, em mim, o branco dos meus olhos. Imaginei-me uma criatura assustadoramente desprezível e só, representando outro ser de uma malignidade vil.
Observando aquela cratera enorme, que tinha se formado às minhas costas, desesperei-me. Nada parecia certo. Nada parecia errado. Tudo ali se fizera tão grotesco e irreal... Parte de um sonho que não tinha fim e do qual eu queria mentalmente acordar, despertar, me ver livre. Belisquei-me com a intenção desesperadora de sair daquele horror. Uau! Eu ainda estava viva.
Voltar à tranquilidade de meu apartamento, para o frio e solitário quarto. Meu aconchego, onde eu fico por horas a fio, divagando com meus pensamentos e desejos mais profundos, quimeras revestidas de melancólicas e absolutamente sonhos surreais. Assim como reinou aquela paz momentânea, tudo voltou lentamente...
Chega. Desisto. Não quero mais. Basta dessa corrida interminável. A muito perdi minhas forças. Não vou lutar mais contra esse ser que foi enviado para destruir tudo. Ao desistir de meus desejos e lamurias, fiquei por alguns íntimos momentos vagando, caminhando a esmo. Em meio aos meus percalços devaneios, fui compelida a pensar que ouvia ao longe meu nome. Estava eu a imaginar coisas. Não, não estava.
Firmando um pouco meus olhos, à minha frente, notei que acenavam para mim. Eram minhas duas filhas. Contudo, não conseguia escutar o que diziam, um abismo intransponível se interpusera entre nós. Tentei gritar para elas que corressem, mas foram apenas sussurros que saíram de minha boca: “Corram filhas, por favor, corram!”. Eu podia sentir em meu coração, que elas diziam o mesmo para mim.
Não consegui me deslocar dali. Parecia estivesse presa, colada, pregada ao chão. Meu tempo se esgotou; apenas me restava acenar um adeus às minhas meninas amadas. Tudo, então, desmoronou sobre mim, me deixando imersa, numa dolorosa escuridão. Um nada, sem dor, sem desespero sem lagrimas, apenas um vazio, um imenso buraco escarlate e silencioso. “ACORDEI”