Eu não sei me despedir

Não sei mesmo, não faço a mínima ideia do que fazer, do que falar, de onde pôr a mão. E o pior, eu fico vendo todo mundo falando coisas lindas e fico pensando, cara...eu tinha que falar alguma coisa, certo? E tudo que sai é piada. Sempre em momentos tensos eu faço piada, talvez seja minha válvula de escape, mas juro que é involuntário.

Semana passada devido essa pandemia dos infernos, a diretoria da empresa onde trabalhava decidiu disparar aos gestores de cada equipe que o quadro deveria ter redução de 70% dos funcionários. Minha gerente entrou chorando na sala. Olha esta cena ser humano. Disse que por ela não desligava ninguém, pediu mil vezes perdão, tentamos acalma-la dizendo que não era culpa dela e realmente não era e, foi aí que as despedidas começaram. Lá vou eu de novo ficar sem saber o que fazer.

Alá filmes americanos, peguei uma caixa e comecei a recolher as minhas coisas. O barulho das minhas embalagens de biscoitos doces e castanhas do Pará se misturavam a fungadas dos narizes presentes dos meus colegas dos olhos marejados. O que eu fiz? Soltei essa daqui:

"Entendi porque eu fui mandado embora, eu só tenho comida na minha mesa!"

Um olhou pra cara do outro. Rimos, porque a piada não foi tão ruim, mas a cara inicial de todo mundo foi tipo da sua mãe no culto da igreja pedindo com os olhos pra você parar de pedir pra ir embora.

Não parei por aí queridos. As despedidas começaram a ser externadas em forma de agradecimento por cada um. Pensei em um palavrão bem grande nessa hora. Primeiro que entreguei minhas vias assinadas para a gestora dizendo que não podia abraça-la por conta do vírus. No final a gente ligou o "dane-se" e todo mundo se abraçou (a gente pegou a embalagem de álcool em gel em seguida).

Vem minha coordenadora falando que gostava muito da gente, falou do quanto a gente trabalhou blá, blá, blá...um dos meus colegas estava me preocupando. Ele era o único que ficaria na equipe, não tinha sido dispensado, mas ele estava muito desnorteado. Andou de um lado para o outro, não parava de chorar e outra coisa que eu não sei é socorrer alguém, sou um completo imprestável.

Quando o abracei só soube dizer "cê sabe que tu tá fu, né?", depois mandei uma mensagem no whatsapp pra escrever coisas bonita sobre ele. Sou melhor escrevendo do que falando e às vezes nem isso.

Vai meu outro colega falar, todo choroso de cada um alí. Chegou minha vez e ele solta "cara não somos da mesma mãe, mas você é tipo um irmão" eu o interrompi e disse "minha mãe não ia aguentar dois gays na família, tá ótimo assim". Essa a gente riu com mais vontade.

Na saída minha ex-gerente me abraçou e me chamou de muralha. Não sei se foi elogio, mas ela disse pra continuar assim porque é melhor não ficar levando essas situações dentro do nosso coração e ela está certa.

Agora estou aqui em casa em quarentena, bem isolado, fazendo outros trabalhos via internet e pensando em como eu poderia ter feito diferente e como eu podia ter dito tanta coisa legal naquela hora.

O cérebro de vocês faz isso? De vez em quando lembra de um pastel que você comprou há três anos e ficou arrependido? Do nada.

Já passei por outras situações assim onde tinha muita gente chorando e me comportei do mesmo jeito, só teve uma que não havia condições de fazer piada, mas não chorei na hora, fiz isso depois. Não tenho vergonha de demonstrar meus sentimentos para ninguém, mas quando está todo mundo desabando eu só consigo pensar que alguém tem que se manter inteiro, alguém precisa ficar de apoio. E geralmente eu consigo ser um pouco mais forte. Mas quando a situação termina, é como a anestesia do dente que foi arrancado. Dói, mas ainda bem que passa.

E a frase "mais tarde iremos rir disso" é sempre a mais apropriada.

Gustavo Barreto
Enviado por Gustavo Barreto em 11/05/2020
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