03 anos sem Belchior: MPB mais pobre e previsível!
 
Há três anos a música popular brasileira ficou mais pobre e previsível. E a poesia enlutada. Exatamente, em 30 de abril de 2017, na pequenina e distante Santa Cruz do Sul (RS), o Brasil perdia seu mais criativo e irrequieto compositor/poeta... desde Raul Santos Seixas. Aliás, Bel (como era chamado pelos mais próximos) tinha verdadeira idolatria pelo “Maluco Beleza”.

A lesão na sua Aorta, aos 70 anos, também rompia o total desconhecimento sobre o paradeiro do "Poeta do Inconformismo", cronista da vida brasileira, o cearense Belchior.

Fazia uma década que, Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, voluntariamente, havia se evadido do showbusiness. Afastou-se de tudo e de todos, por razões que só ele e sua companheira de aventura, Edna Assunção "Prometheu", tinham conhecimento.

Fala-se muito num grande amor, incomum aos padrões comportamentais do establishment: unidos por um sentimento de auto-preservação, contra valores materiais da sociedade capitalista; também, pelo acasalamento de duas utopias libertárias. E, o que se diga mais sobre o assunto, entendo, ser mera especulação.

Alguns dias antes da divulgação de sua morte, eu havia conversado com um colega de trabalho sobre a possibilidade de acontecer algo ruim com ele. Sinceramente, tinha medo de receber uma notícia fatídica. Talvez, tão somente um pressentimento de um fã ardoroso. Afinal, nunca tive habilidades mediúnicas.

E... agora pela passagem do 3º ano de sua partida definitiva, posto este texto no RL: crônica elaborada quando tomei conhecimento do adeus de Belchior... momento de tristeza e saudade por uma irreparável perda.
 

 

TEXTO PUBLICADO em 30/04 2017

 

Soube com profunda tristeza, à cerca de 10 minutos, da morte de um dos maiores ícones da MPB... Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, conhecido como Belchior ou para os mais próximos, simplesmente, Bel.
 
Cearense de Sobral, Belchior tinha 70 anos, quando nos deixou definitivamente. Nascido no seio de enorme família (23 irmãos), abandonou o curso de Medicina (5º ano) para fazer Filosofia. Dono de forte e irrequieta personalidade, Belchior, sempre surpreendeu amigos e parentes por tomar decisões que fugiam aos ditames convencionais.
 
E, em mais uma decisão, incomum... se auto exilou no ano de 2007. Inicialmente, em uma pequena cidade balneária, uruguaia, próxima a Monetevidéu. Posteriormente, foi visto perambulando por ruas e viadutos da capital gaúcha.

Em POA, reconhecido por um fã, hospedou-se em seu apartamento, durante alguns meses. Depois, desapareceu sem dizer adeus. Estava em companhia da mulher identificada por Edna Prometheu, por quem, supostamente, se apaixonara... conhecida no meio artístico, como antiga produtora musical.
 
Sua última aparição pública, foi num show do ex-tropicalista, Tom Zé. Estando na platéia e reconhecido pelo artista baiano, "Bel" foi convidado a subir ao palco. Deu uma "palinha" em duas de suas músicas mais icônicas.
 
Havia deixado tudo para trás... família, amigos, imóveis, pinturas... e, também, muitas dívidas. Inclusive, dois carros localizados em estacionamento de hotel.

Abandonou shows agendados, tendo sido processado por seu empresário pelo descumprimento de contratos. Também, foi processado por duas ex-mulheres, em função do não pagamento de pensões alimentícias.
 
Em seu atelier, dentre outros objetos pessoais, foram encontrados pinturas (de sua autoria) e rascunhos de inúmeras letras de músicas, inéditas... algumas, inacabadas!
 
Belchior... foi o maior e mais importante letrista de sua geração, lançando discos antológicos, como "Alucinação", "Coração Selvagem" e tantos outros, ao longo de extensa carreira no cenário da MPB.

Cantava o cotidiano da sociedade burguesa, numa mensagem alucinante e transformadora... com tintas melancólicas, além de indisfarçável e fina ironia: "Eu quero que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês" ou o "Novo sempre vem", ou ainda... "Amar e mudar as coisas me interessa mais". Esses versos são mantras repetidos por pessoas de idades diversas.
 
Suas letras denotam profundo conhecimento da sociedade  em que vivia... e, ao mesmo tempo, de inconformismo com suas distorções de poder e riqueza. Tinha uma visão transformista do mundo. Espelhava-se em filósofos contemporâneos e em ativistas culturais, da estirpe de John Lennon e Bob Dylan.
 
Deixou uma constelação de belíssimas canções, verdadeiros clássicos que embalaram inúmeras gerações: Apenas um Rapaz Latino-Americano; Todo Sujo de Batom; Tudo Outra Vez; Velha Roupa Colorida; Como Nossos Pais; Alucinação; Comentários à Respeito de John; Hora do Almoço; Sujeito de Sorte; Conheço o Meu Lugar; Mucuripe; A Palo Seco; Fotografia 3 x 4; Saia do Meu Caminho; Brasileiramente Linda; Coração Selvagem; Paralelas; Divina Comédia Humana; Medo de Avião; Galos Noites e Quintais; Pequeno Perfil de um Cidadão Comum...
 
A letra de "Galos, Noites e Quintais", por sinal, foi feita em Teresina, quando fazia show para a platéia local. Estava hospedado no antigo Luxor Hotel do Piauí, defronte ao Parque da Bandeira: área linda, bucólica e arborizada, infelizmente, agora entregue a vândalos, traficantes e viciados. 

Confesso que, hoje, tenho dúvida é mesmo essa música ou se foi "Divina Comédia Humana". Mas, o fato é que ele me contou essa história, quando conversávamos dentro de meu carro, em passeio por ruas e avenidas de Teresina.

Outra ligação com o Piauí, aconteceu através da amizade com Jorge Melo, músico nascido na cidade de Piripiri (PI), de quem foi sócio e parceiro em algumas canções, na sua fase inicial.
 
Já minha ligação maior com Belchior foi no ano de 1996. Juntamente com alguns alunos da UESPI, tive o privilégio de trazê-lo para fazer dois belíssimos shows em Teresina. Andei com ele perambulando em rádios e emissoras de TV, além de bares e restaurantes. Levei-o para conhecer meus pais. Passou a me chamar carinhosamente de "Professor"... aliás, todos da sua banda me tratacam assim.
 
Fiquei encantado com sua simplicidade e inteligência, em longas e memoráveis conversas. Dirigindo meu carro, lembro de ouvi-lo declamar textos do piauiense Da Costa e Silva, sobre quem, Belchior confessou afinidade poética.

Falou-me, com alegria e gratidão, ser fã de carteirinha de Raul Seixas, John Lennon e Bob Dylan. Revelou-me, também, da perspectiva de se candidatar (juntamente com Gilberto Gil) a deputado federal, pelo estado de São Paulo, através do recém instalado Partido Verde. O objetivo seria engrossar uma bancada forte, para defesa de interesses ecológicos.
 
Meu último contato pessoal com Belchior foi em Belo Horizonte, em 1998, quando fui assisti-lo na boate "Olímpia", a melhor da época... depois, transformada em templo da Igreja Universal do Reino de Deus.
 
Ao visitá-lo no camarim, identifiquei que Belchior estava com seu inseparável cachimbo. Alisava, com certo cacoete, os longos bigodes negros, que lhe cobriam inteiramente a parte superior dos lábios.

Tomamos vinho e revivemos situações em Teresina. Com os amigos que me acompanhavam, fomos todos convidados para uma esticada na madrugada da capital mineira. Voltamos para o show da noite seguinte, por iniciativa do próprio Belchior... que, gentilmente, nos deu cortesia (mesa para 4 pessoas).
 
Essa breve convivência com um ídolo da estatura e carisma de Belchior, deixou-me marcas profundas. Aprendizado para toda vida... Uma frase que ele usava muito, ao se referir às suas próprias canções ou de colegas da MPB: "A palavra cantada da música brasileira", nunca me saiu da cabeça.
 
E o que falar mais de sua arte? Letras de rara beleza e grande sensibilidade poética, o transformaram em um dos monstros sagrados, entre artistas nacionais, no final do século passado. Foi gravado por gente do primeiro time da MPB: Roberto Carlos, Elis Regina, Jair Rodrigues, Vanusa, Fagner, Pato Fu, Titãs, Mílton Nascimento e tantos outros.
 
Antes do seu desaparecimento, musicou parte da obra de Carlos Drumond de Andrade. Fez inúmeras pinturas... outra de suas paixões.
 
Belchior será sempre um grande ídolo em minha vida... a minha maior referência musical e o mais talentoso letrista de todos os tempos. O artista que mais me encantou, ao lado de Raul Seixas, John Lennon e Bob Dylan... coincidentemente, referências para o próprio Belchior.

"Sua arte é atemporal... Seu legado interminável", costumo dizer, sempre que me refiro a ele. Até os meus filhos caçoam, quando falo apaixonadamente sobre Belchior.
 
Hoje, num outro plano de vida, habita Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes... fica, neste aqui, o legado do mais talentoso artista brasileiro de sua geração... "O rapaz Latino Americano, sem dinheiro no banco... e vindo do interior". Foi-se um irrequieto cronista de seu tempo... restou um mito do tamanho de sua obra e genialidade.
 
Não sou vidente, mas, ultimamente estava pensando muito nele... com receio de notícia como essa. Cheguei a comentar com amigos que gostaria de fazer um texto sobre ele... não dessa maneira... de despedida.
 
Valeu demais... descanse em paz "Bel"... encante os céus com sua genial poesia !!!
 

 

POST SCRIPTUM



Na elaboração deste post, não fiz nenhuma pesquisa específica sobre a vida ou obra de Belchior. O texto foi construído com as informações que dispunha, na ocasião. Assim, muito possivelmente, tenha incorrido em equívocos. No entanto... ainda, espero escrever algo sobre o quanto significa para mim.

A minha breve convivência com Belchior, necessariamente, é compartilhada com amigos que participaram dessa aventura inesquecível de trazê-lo à Teresina: Antônio Giovani, Silvana Brito, Amanda Fonseca, Larimer Daniel, Ana Cristina Batista, Ricardo Pontes...

 

Antônio Rodrigues de Carvalho Neto
 

Antônio NT
Enviado por Antônio NT em 29/04/2020
Reeditado em 22/01/2023
Código do texto: T6931794
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