Idoso apavorado

O idoso, apavorado, dirigia seu Kadett 1988 pelas ruas da maior metrópole da América do Sul. Estava tão acostumado com o trânsito caótico da capital paulista que se deu conta que não havia os congestionamentos normais naquele horário. As últimas notícias eram aterradoras: Tudo apontava para o seletivo extermínio de idosos vulneráveis, livrando assim os governos do alto custo dos indispensáveis cuidados com a saúde pública e, em especial, desonerar os Institutos de Aposentadoria e Pensões. Distraído, o idoso avançou o semáforo e acordou com o buzinaço. Também xingamentos: “- Acorda, velho idiota.” “- Vai pra casa, coroa!!!” “- Sai da rua, velho safado.” Um motoqueiro mais agressivo chegou a gesticular, ameaçadoramente, com “aquele dedo” em riste. Assustado, procurou prestar atenção no trânsito à sua frente, sem descuidar dos retrovisores. A maior preocupação era conseguir comprar mais lancetas e tiras para medir índices de glicemia de sua esposa. A fila no Posto de Saúde era enorme e o idoso decidiu se aventurar para ir até aquela famosa drogaria na Avenida Jabaquara, cujos preços estavam sempre abaixo da concorrência. Há alguns quarteirões da bendita drogaria, parou no semáforo e foi abordado por duas jovens, oferecendo garrafas de água geladinha e, também, “álcool gel e de limpeza”. Confuso, tentou se recordar se havia comprado o álcool na última ida ao hipermercado. Na dúvida, comprou um litro de álcool 72º e 500ml de álcool gel. As marcas eram conhecidas, convincentes e o preço dentro da média. Pagou, agradeceu e partiu, saudado por mais algumas buzinas e xingamentos. Desta vez até sorriu, achando graça das suas costumeiras trapalhadas. Foi respirando fundo e relembrou cenas das chanchadas da “Atlântida”, com os impagáveis Ankito, Oscarito, Grande Otelo, também dos comediantes Dean Martin e Jerry Lewis. Assim afastou a ansiedade e sua pressão arterial se estabilizou. Ao chegar na drogaria, milagre: havia uma vaga livre para idosos. Estacionou cuidadosamente para não esbarrar nas duas motos irregularmente estacionadas e colocou seu Cartão de Idoso. Rapidamente comprou o que precisava e ao voltar para o carro notou dois marmanjos, mal encarados, encostados no seu carro. Olhou ao redor e não avistou nenhum policial, nenhuma viatura da Guarda Civil Municipal. Respirou fundo e tentou abrir a porta do carro, sem olhar para os trombadões. Um deles se recostou no capô, braços cruzados, um pé apoiado na moto. O outro facínora ajudou a abrir a porta, enquanto o idoso se assentava no carro, já trêmulo. Sem dizer nada, o meliante fechou com cuidado a porta e fez sinal para que o vidro fosse abaixado. O idoso foi colocar a chave no contato, escapou-lhe das mãos. Ao abaixar rápido bateu a testa no volante. Doeu e sangrou. Colocou a chave na ignição, deu a partida, abaixou o vidro e mostrou ao trombadão a ponta dos dedos, ensanguentadas. Nem conseguiu falar. O rapaz sacou uma folha de papel toalha, ofereceu ao idoso e falou: “-Senhor, foi um pequeno corte, apenas pressione de leve esta folha por alguns segundos. Procure se acalmar. Respire fundo, lentamente. Isso, relaxe. Nós ficamos perto do seu carro porque notamos que não havia acionado o alarme.” O idoso começou a chorar compulsivamente. Que alívio. Estava aterrado com um possível sequestro-relâmpago e outras desgraças. O rapaz colocou a mão em seu ombro e procurou confortá-lo. Depois de alguns minutos conseguiu se recuperar, tomou uns goles da água que sempre trazia no carro. Depois de agradecer efusivamente, partiu rumo à sua casa. Chegando, foi se higienizar como de praxe e depois ver a esposa. Ela estava cochilando na poltrona da sala. O idoso pegou então as duas garrafas de álcool, recém adquiridas, foi ao tanque, lavou e levou ao terraço do apartamento, para secar ao sol ameno do entardecer. Mal entrou na sala, ouviu um vizinho dizer: “- Vejam só que ostentação. Só porque tem o precioso álcool fica se exibindo.” Tem gente que...

(Juares de Marcos Jardim - Santo André / São Paulo - SP)