Meu Pai tinha solução para os problemas do Brasil!



Nesses tempos em que funcionários públicos são apontados como vilões e causa maior do desequilíbrio das contas públicas, em todas as esferas... e de tantos outros males, lembrei-me de meu saudoso pai e da sua receita para melhorar o país.

O Brasil é singular, com particularidades interessantes. Apresenta atualmente um processo de industrialização relativamente moderno e avançado: fabricamos navios, aviões, automóveis, eletrodomésticos, elevadores, armas, satélites... e, até, maquinário pesado.

A indústria farmacológica, por exemplo, vem se sofisticando mais e mais, desde a instalação do Instituto Butantã (São Paulo), no longínquo 1901, criado inicialmente com o fito de combater o surto da peste bubônica.

Somos capazes de construir viadutos e pontes espetaculares, adentrando milhares de quilômetros sobre o mar, como a mundialmente famosa "Rio-Niterói".

Temos grande número de instituições de ensino superior (IES), comparando-se com os demais países latino-americanos. Embora, muitas dessas não tenham a qualidade necessária e nem capacitem, adequadamente, profissionais para o mercado de trabalho.

Destarte esse crescimento econômico do Brasil, verificado nos últimos 50 anos, sua Balança Comercial continua alicerçada em commodities (soja, milho, minério de ferro, petróleo, frango, café, etc). Produtos primários que têm enorme variação de preços no mercado internacional.

Isso representa, aproximadamente, 65% da pauta de exportação, segundo levantamento realizado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), no ano de 2014. Nesse sentido, pouca coisa mudou de lá pra cá.

Historicamente, nossa 'Balança de Serviços' é deficitária, considerando que o Brasil remunera outros países pela utilização da tecnologia importada (royalties) – moeda paga pelo direito de uso de invenções e inovações, criadas por empresas multinacionais, sediadas no exterior.

E, para contrapor essa situação desfavorável, em tempos de globalização, as políticas econômicas estimulam carnaval e turismo - a denominada indústria sem chaminé.

Além do mais, o futebol ocupa generoso espaço nas nossas transações comerciais, contribuindo para a entrada de divisas, ainda que os números sejam imprecisos e ocorra evasão de receitas, pela própria incapacidade dos órgãos públicos em fiscalizar negócios dessa natureza.


Apesar do avanço econômico verificado, desde o Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitsckek (anos 50), o desenvolvimento social não ocorreu como esperado.

A guisa de exemplificação sobre a situação social do país, dados divulgados pela ONU (2010), denotam que o Brasil apresentou IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) 0,699. Apenas o 73° lugar no ranking mundial. Isso revela que as condições de vida de grande parte dos brasileiros estão abaixo dos padrões mínimos aceitáveis pela ONU.

Como incrementar a receita do Brasil? O que mais o país poderia exportar para ter divisas, com objetivo de investimentos voltados à melhoraria das necessidades básicas de sua população? Essa é tarefa que muitos economistas governamentais, especializados na área de comércio exterior, vêm se debruçando há anos.

E, com o fito de contribuir para o incremento do PNB (Produto Nacional Bruto), creio que tenho solução para o problema. É exportar algo que o Brasil tem “expertise”, como nenhum outro concorrente internacional. E quem me ensinou "o caminho das pedras" foi meu saudoso pai. Homem que nunca abriu um livro de economia, mas, era dotado de uma sabedoria inconteste.

Nessa época, ele estava com, aproximadamente, 80 anos. E, lidava com limitações de locomoção, por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).  Caminhava bem devagarinho, com passos inseguros. No entanto, tinha uma lucidez absurda, velocidade de raciocínio extraordinária e inteligência maior ainda.

Seu programa favorito era passear na praça de alimentação do “Teresina Shopping”, conversar um pouquinho sobre as muitas aventuras amorosas vividas e comer gostosos “bolinhos de bacalhau”. Ainda queria tomar um "wisquinho", como gostava de dizer. Mas, isso eu não lhe permitia, por recomendações médicas.

Certa noite, ao sair da faculdade em que lecionava, à época, fui me encontrar com ele e sua acompanhante, no referido shopping.

Ele era maravilhoso em quaisquer circunstâncias, mas, quando estava em alto astral, não tinha "pra ninguém". Divertido, espirituoso, moleque (no bom sentido). desenvolvera uma  sabedoria de vida, como poucos. Suas tiradas... "IMPAGÁVEIS"!

Assim, que o vi... percebi que estava muitíssimo bem-humorado. Sentei-me à mesa e passamos a conversar.

Sorrindo muito, me disse: “Filho... só tá faltando uma caneca de chopp gelada e dois pratinhos de bolinhos de bacalhau!”. Sorri, pois se a bebida alcoólica lhe era proibida... os bolinhos providenciaria, imediatamente.

Dirigi-me à choparia próxima ao lugar em que estávamos. Logo, percebi uma grande fila. Talvez, umas 15 a 20 pessoas, todas esperando para fazer o pagamento (caixa) e solicitar alguma guloseima ou bebidas, ao balcão.

Eu era o último... no momento em que chegou uma jovem senhora. Distraído, tomei um susto, quando a ouvi dando “boa noite”, em tom agradável.

Olhei-a com certa curiosidade. Vi que era muito nova... calculei uns 25 anos... loira, olhos azuis, um sorriso enigmático nos lábios... e uma barriga enorme, orgulhosamente exposta por uma espécie de blusa, que lhe cobria, apenas, parte dos seios. Supus gravidez avançada, embora, não seja um especialista sobre a matéria.

Sensibilizado pelo seu estado físico e por obviamente ser mulher, imediatamente, tomei a iniciativa de lhe ceder a vaga. Intencionalmente, o fiz em voz alta. E, sem nenhuma surpresa, todos adotaram o mesmo procedimento. Resultado: a noviça mamãe logo estava fazendo seu pedido, junto ao caixa.

E... ficamos atônitos, quando, com uma voz suave e sensual, em tom bastante audível e seguro, disse: “Dois chopps geladíssimos... e um tira-gosto de filé com fritas... os chopps levo agora... pois, eu e meu companheiro estamos com uma sede danada... já o filé, o garçom pode levar depois, quando estiver no ponto!”.

Em seguida, tranquilamente, saiu em direção a sua mesa, distante a uns 15 metros. Um cara barbado a aguardava, com um largo sorriso no rosto. Encontrava-se, mais ou menos próximo ao lugar onde meu meu pai estava.

Estávamos todos ensimesmados com aquela cena inusitada. Esperei minha vez, fiz o pedido, paguei a conta e voltei para a mesa de meu pai. Não, sem antes ouvir muitos impropérios e reclamações das pessoas que compunham a fila de espera... Todos boquiabertos com a desenvoltura estratégica da loira gestante.

Chegando à mesa, contei o que havia presenciado. E, com um discreto aceno de cabeça, apontei para a moça tomando chopp, alegremente, com seu parceiro. Realmente, eu estava indignado com “tamanha cara-de-pau” daquele insolente casal.

Meu pai parou de sorrir. Com voz grave e arrastada, disse: “Meu filho... aquela jovem é filha de um dos homens mais ricos do Piauí... ele não fez sequer o segundo grau. Mas, tem patrimônio de fazer inveja a homens de posse, nesse país!”.

Fiquei atônito observando sua fala: “Você, meu filho, estudou muito... tem vários cursos, fez mestrado e logrou êxito em concursos públicos... vai ser sempre um funcionário público. Não passará disso, embora eu tenha muito orgulho de seu caráter!”.

Acenei com a cabeça e ele seguiu com seus ensinamentos: “Você é especialista em tudo o que não dá dinheiro... ativista ambiental, professor, gosta de ler e escrever umas coisas por aí... Já o pai daquela moça é muito “sabido” ... e tudo que faz é para ganhar dinheiro, mesmo que seja de maneira “suja” ... A filha só está fazendo, na rua, o que aprendeu em casa. E, neste país em que vivemos, só se dá bem quem é malandro e utiliza a 'Lei de Gérson'”.

Depois, levantou-se com alguma dificuldade. Caminhou, vagarosamente, até onde eu estava... Concluiu solenemente: “Se o Brasil um dia exportasse malandragem... seria o país mais rico do mundo!”.



 
Post Scriptum



A "Lei de Gérson" é uma maneira de se dizer, popularmente, que o brasileiro é espertalhão e sempre se sai bem nessas situações.

Gérson Oliveira, o "Canhotinha de Ouro", que empresta seu nome à famiregada lei, é um ex-jogador de futebol, com passagens por vários grandes clubes brasileiros e momentos marcantes com a camisa da "Seleção Brasileira". Por muitos especialistas, é referenciado como "o cérebro" na conquista da Copa do Mundo de 1970, realizada no México.

Fumante inveterado, mesmo na época em que era jogador, foi considerado por muitos como um típico carioca, esperto, inteligente e adepto da malandragem. Por conta dessa características, durante algum tempo, se tornou garoto-propaganda de uma marca de cigarro. 

Com seu 'carioquês' característico, jocosamente, repetia o seguinte bordão: "Brasileiro gosta de levar vantagem em tudo... certo? Eu também gosto... por isso só uso Vila Rica!".  



 
DEDICATÓRIA

 
Se vivo estivesse, no dia 14 de abril de 2020, meu pai estaria fazendo 88 anos. Foi um homem extraordinário, de inteligência privilegiada e incomum... ensinou-me muito do que acredito na vida, pricipalmente sobre ética e responsabilidade social.

Amou intensamente minha mãe, sem nunca deixar de admirar mulheres ao redor. Frasista incorrigível, mesmo com idade avançada, quando via alguma delas, dizia encantador: "Pode escapar da queda... da cantanda, jamais!".
 
 

 
(Publicada anteriormente em 2018)





 
 
Antônio NT
Enviado por Antônio NT em 14/04/2020
Reeditado em 14/04/2020
Código do texto: T6916472
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.