Qual o preço de uma vida?
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Uma pergunta pesada com a qual iniciar uma crônica num tempo de pandemia, não é mesmo, situação onde as pessoas discutem o que priorizar, se a vida via o isolamento social, ou se a economia, flexibilizando-o? Mas o fato é que estamos na Semana Santa e, na quarta-feira, conforme os evangelhos, foi quando Judas foi lá negociar com os fariseus e acertou trinta moedas de prata como pagamento por sua delação, que viria a ocorrer no dia seguinte, durante a noite.

Judas era, todos sabemos, um dos doze apóstolos, o "agregado das pilchas" do grupo, pois cuidava da bolsa com o dinheiro que usavam. Pelo dinheiro, ele entregou o Mestre e depois, arrependido e corroído pelo remorso, matou-se. Só foi ver o seu erro quando já era tarde demais. Devolveu as moedas, mas o que estava feito já estava feito, não havia volta.

O fato concreto é que ninguém quer morrer, pois a vida não tem preço. A propria vida. Já a dos outros, o que vale? Tem gente que mata por nada. Tem gente que cobra para fazer isso, profissionais da morte. Outros não chegam a tanto, mas não lhes importa a sorte das outras pessoas a ponto de se comprometerem com elas. Importa é ela estar bem e, num espectro mais amplo, a sua família próxima. Há, no extremo oposto, as que dão a vida pelos outros, como os profissionais da saúde. Existe todo o tipo de gente nesse mundo e todos guardam um grau de apego a própria vida e de apego e desapego a dos outros, conforme seus interesses em dada ocasião.

Claro, não vivemos de vento, e pagar comida, água, luz e medicamentos exige dinheiro. Isso não se discute. O que se discute é: o que priorizar, nesse momento? E como priorizar, sem que as pessoas dos grupos de risco e as mais necessitadas morram ou passem fome? São dois desesperos que se chocam, o da vida e o da ruína financeira: o primeiro atingirá a muitos, o segundo a quase todos, indistintamente. Só os que tem muito dinheiro guardado passarão com pouco prejuízo a crise e se manterão durante o tempo em que ela durar. Eis a situação e o problema a ser resolvido.

E o isolamento social? Sem ele, será difícil proteger as pessoas do grupo de risco, pois, num país desigual como o nosso, onde muitas das famílias de baixa renda residem em casas pequenas com várias pessoas dentro, como fazer o isolamento vertical, apenas das pessoas do grupo de risco? Há mesmo lugares, favelas onde nem a água chega! Como essas pessoas vão, pelo menos, lavar as mãos para preservar suas vidas? Assim, só o isolamento social, dimunuindo o espalhamento do vírus, impedirá o pior, ou seja, a superlotação do sistema de saúde que, saturado, não terá como atender os casos graves da maneira ideal possível. Isso aumentará a taxa de mortalidade, foi o que mostrou a experiência dos outros países.

Não me cabe aqui cair em pedantismo tentanto inventar a roda ou o fogo, ensinar o padre a rezar a missa ou o papa a ler a Bíblia, todavia creio que parece óbvio que, numa situação dessas, a vida deve ser preservada e os pobres favorecidos. Óbvio que deveriam ser os setores da economia com mais dinheiro a ajudar nesse momento: governos com saúde financeira, bancos, grandes empresas, grandes fortunas, altos salários da iniciativa privada e do setor público, sejam de qual poder forem. Quem tem põe, que não tem, tira. A gravidade do momento o exige, é hora de desapego, de solidariedade e de caridade. Temos que passar por isso juntos. Falei coisas simples, simplistas, até, bem o sei. Mas para que servem os economistas, numa hora dessas, senão para pensar a solução em benefício do bem comum?

Fora isso, voltamos a pergunta inicial: qual o preço de uma vida? E essa vida poderia ser a dos seus filhos, dos seus pais, da sua esposa, do seu marido, da namorada ou do namorado, dos seus avós, de um familiar qualquer, dos seus amigos, dos seus colegas de serviço, dos seus empregados, do seu patrão, dos vizinhos ou mesmo de pessoas que você não conhece, nunca viu e nunca verá, mas que são importantes para o coração de alguém assim como há quem seja para o teu.

Pensemos nisso. O que priorizar e como priorizar? Não há vento bom para nau sem rumo. Ainda mais durante uma tempestade.