Palavra Solta – o velho

Palavra Solta – o velho

*Rangel Alves da Costa

O velho sentiu saudade. Mas a saudade não podia lhe fazer companhia. O velho mirou a velha fotografia na parede. Mas a fotografia não podia lhe fazer companhia. O velho quis sorvete, chocolate e muito doce. Mas nada disso chegou sequer perto do velho. O velho queria conversar, relembrar causos do passado, rememorar instantes de vida. Mas ninguém chegou para conversar com a velhice. O velho queria caminhar, subir a montanha, admirar o por do sol. Mas ninguém deixou que o velho saísse sequer à porta. O velho quis ser passarinho, quis voar, alcançar alguma liberdade. Mas tudo isso lhe foi negado. Um dia, o velho foi visto conversando sozinho. Noutro dia, foi visto lacrimejando um fiozinho de lágrima. E ainda depois foi visto chamando um nome que a ele muito interessava. Mas era apenas um velho. Ninguém se importou, ninguém sentou ao seu lado para saber o que estava sentindo. Ninguém deu a mínima importância às saudades, aos desejos, às angústias, às aflições do velho. Morreu assim, esquecido, abandonado, rejeitado de tudo. Contudo, importante demais da morte, pois havia deixado bens. Sua valia passou a ser a estupidez da herança.

Escritor

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