HOJE FOI DIA DE MATO

HOJE FOI DIA DE MATO

*Rangel Alves da Costa

Hoje, em pleno sábado de carnaval, eu preferi tornar o meu dia num dia de mato. Quer dizer, ao invés de estar na cidade acompanhando as folias carnavalescas, peguei a estrada e fui conhecer outros sertões do meu sertão.

Ao amanhecer e o itinerário já estava certo. E o destino era uma comunidade chamada Garrote do Emeliano – ainda que não seja formada por habitações conjuntas, mas em propriedades ladeando umas às outras.

O Garrote do Emeliano, assim denominado em homenagem a Emeliano Vito da Silva, um senhor de profunda religiosidade que possuía moradia, está localizado nas proximidades do povoado Santa Rosa do Ermírio, no município de Poço Redondo, sertão sergipano do São Francisco.

Nesta região, minha intenção primeira – como de fato aconteceu – era visitar o amigo Marcos Moreira, um exímio artesão que me despertou curiosidade pelas miniaturas de carros antigos que faz em madeira. Uma perfeição.

A família de Marcos é maravilhosa, animada, muito acolhedora. Seu pai, um misto de criador e agricultor, parece viver e respirar sua terra, seu rebanho, suas criações. Sua mãe, que depois revelou sua maestria artística em tecidos, outra pessoa maravilhosa. Assim também com sua cunhada e outro senhor que ali faz moradia.

Interessantes também os três sobrinhos de Marcos, o pequenino Fael, e seus irmãos Emanuel e Larissa. Que meninos ativos, brincalhões, conversadores, nos seus moldes de todo menino que se expões em plenitude perante sua idade. E falavam, e explicavam, mostravam coisas interessantes pelos arredores. Três amores de crianças.

A arte produzida por Marcos é de uma beleza sem igual, coisa mesmo de quem tem muito cuidado e paciência para trabalhar a madeira e a tudo transformar em miniaturas de ônibus, tratores, carros-pipas, caminhões, caminhonetes, uma gama imensa de veículos, principalmente antigos.

De sabor sem igual o almoço servido após o meio-dia. Galinha de capoeira, macarrão, arroz, feijão e, como sobremesa, mel de abelha legítimo e ali mesmo produzido e umbuzada. Uma panelada de umbuzada, feita no capricho, que quanto mais era bebida mais se tinha vontade de colocar mais. Meu gosto era tanto que a mãe de Marcos compreendeu meu apetite pela iguaria sertaneja e me presenteou com uma vasilha cheia.

Depois da despedida de tão proveitosa visita, já na estrada resolvemos fazer outras visitas pelos arredores. Seguimos, então, em direção a casa de Dona Guiomar Vito. Esta senhora quase sexagenária é uma das matriarcas de uma importante família dos sertões de Poço Redondo: a Família Vito.

A Família Vito, passando de geração a geração, perpetua diversas feições da cultura sertaneja, pois desde os tempos antigos que preservam a arte dos pífanos, do aboio e da toada, dos folguedos e de diversas tradições. Dona Guiomar Vito ainda hoje é reconhecida pelos seus dotes no samba-de-doce, tanto como emboladeira (cantora de coco) como dançante.

Encontramos Dona Guiomar ao descanso da tarde, mas assim que chamada em seu quarto, logo surgiu alegre e sorridente. O peso da idade mostra suas marcas em Dona Guiomar, pois tem dificuldades para ouvir e também enxergar, além de caminhar quase sempre com bengala ou amparada por parente.

Perante Dona Guiomar, apresentei-me como filho de Alcino e logo vi nascer um sorriso na face. Relembrou meu pai e minha mãe e daí em diante pareceu mais encorajada para falar. Perguntada sobre os seus dotes no samba-de-coco, disse que naquela idade já não fazia mais nada. Mas para nossa surpresa, a velha matriarca logo começou uma cantoria de indescritível beleza. E cantou embolada como se estivesse numa roda de samba. Que força persiste e resiste nesta mulher!

O último destino foi uma visita a velha casa daquele que dá nome ao local: Emeliano. A velha moradia, no barro batido, ainda está de pé. Seu filho Antônio abriu suas portas e adentramos num mundo de religiosidade tão antiga como a própria fé. Retratos antigos pelas paredes, imagens de Padre Cícero e Frei Damião, objetos do passado, raízes ainda preservadas pela família.

Assim, um dia de mato, mas também de história, de arte, de cultura, de religiosidade e tradições.

Escritor

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