SOMOS CAPAZES DE TUDO
Posso não gostar do tom do seu cabelo. Posso ficar incomodado com suas ideias, com seu cheiro, com seu brilho no olhar. Posso ter inveja do seu sucesso. Posso odiar algum amigo que você tenha ou alguma paixão vivida. Posso não me conformar com a nota que você teve na prova. Posso não suportar ter menos saúde que você. Posso ficar triste em reconhecer toda sua alegria. Posso tudo que bem quiser. E, como reação disso, posso evitar você, ignorar você, sabotar você, menosprezar você e até fingir que você não existe, entre outras atitudes. São reações contrariadas ao jeito que você é, às escolhas que fez, aos seus sentimentos ou até a algo como sua saúde, que não depende só de você pra ser boa ou ruim. Tudo isso é admissível, cada um estabelece o juízo que quiser sobre o que bem entender. Mas querer acabar com você só porque tem certa ascendência, a qual não foi escolha sua é inadmissível.
Você não optou pra ter certa raiz, pra ser filho daquele pai ou daquela mãe, pra nascer nesse ou naquele país. E pior: pela "culpa" desse acaso do destino, acabar com a vida de milhões de pessoas e que, antes desse juízo final, desse matadouro final, tiveram que passar por situações deploráveis, desumanas, humilhantes, cruéis à enésima potência. O holocausto não é somente uma das piores páginas já escritas com sangue de gente. Ele é o exemplo vivo do que o homem foi capaz de fazer, movido por uma ideologia, por um comando implacável, por uma máquina de matar com fôlego incansável e extremamente eficaz.
Esse texto é uma homenagem ao meu pai, Gerd Silbiger Z'L (essas duas letras correspondem à uma abreviatura em hebraico da expressão “zicaron lebrachá”, que significa bendita a sua memória), sobrevivente do holocausto, que veio ao Brasil para construir nova família e que faleceu em 2002.
E que me deu uma baita saudade hoje.