PENSAMENTO CIGANO
Meu pensamento não tem dono nem raiz. Vai por onde bem entender sem dar satisfação a ninguém. Nessa saga mambembe, percorre meus quatro cantos sem pedir licença, vasculha o que lhe dá na telha e deixa tudo na maior bagunça. Esse ser independente vive à margem da minha vida desde sempre. Se acha dono de mim e, de alguma forma, é mesmo. Sabe todos meus podres, falcatruas e papéis farsantes que venho fazendo. Foi testemunha de cada tropeço, cada choro, cada gota de dor. Ficou calado assistindo todas minhas derrotas e as vitórias aplaudiu de pé, gritando BRAVO! milhares de vezes. Foi cúmplice nas armadilhas que armei e solidário quando o mundo virou de costas pra mim. É meu fiel travesseiro macio, perfumado e aquecido naquelas noites de terror que pareceram séculos. Compartilhamos e brindamos até não poder mais aquelas alegrias maravilhosas, que reluziram tanto a alma que chegaram a ofuscar o sol. Enchemos a cara juntos e deixamos embriagar aquela tristeza pela perda irreparável que a morte causou. Hoje já conheço bem suas armas, seus truques, suas segundas intenções. Hoje não me assusta mais suas sombras, nem portas secretas. Conseguimos vibrar em sintonia, respingando somente pétalas benditas um no outro. Precisei quase de uma vida toda pra fazer estrear esse cenário. Ainda bem, antes tarde do que nunca.