VENTOS PARTINDO DE VEZ

Meus ventos estão desgarrando de mim. Pouco a pouco vão abandonando o posto numa debandada de passos de rei. São ventos que sempre fizeram parte do meu repertório de crias, sempre se fincaram fiéis à raiz e ao tom que eu imprimia. Mas resolveram abdicar de mim. Decidiram seguir carreira solo, arriscando chãos sem o meu escudo, sem a minha razão.Vê-los partindo traz uma grande dose de alívio, pois me liberto de certos olhares que deixavam meu coração, muitas vezes, em pandarecos. Vê-los sumindo num horizonte me encharca de orgulho pelo privilégio de testemunhar esse desprendimento, um caminhar em pernas que não são mais só minhas. Por vezes me pego melancólico, esvaindo uma apática melodia pela solidão que se avizinha. Mas ventos foram feitos pra ventar, e não ficar enferrujando numa sombra que não lhes pertence mais. que não lhes é cativa. Que esses ventos tenham a tenacidade de descobrir seus ossos, ferrolhos, garras e anticorpos. Tomara que a vida que agora lhes alforria seja digna desse voo. Mas se os tombos que estão à espreita armarem uma arapuca cruel, saibam que não desaquecerei meu colo e nem, tampouco, esquecerei a raiz que nos fez e faz um só. Que sejam felizes, ventos que agora são do mundo.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 30/01/2020
Reeditado em 30/01/2020
Código do texto: T6853884
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