Domingando... Seu Jonas; uma história.

Era um lindo dia do mês de setembro. Naquele início da primavera do ano de 1965 o sol brilhava com todo o seu esplendor naquele céu azul e límpido da Cidade Maravilhosa.

Contrastando com aquele maravilhoso e gratuito espetáculo proporcionado pela natureza, em alguns pontos mais movimentados de importantes cidades do nosso País, grupos politizados costumavam se reunir para públicamente protestar contra o novo regime político em vigor; o Regime Militar, que havia sido implantado há pouco mais de um ano; era o período da Ditadura, tempos de muita tensão..

Mas existia lá -e ainda existe- um dos bairros mais tranquilos da cidade; o bairro da Urca. Era lá que morava o Seu Jonas em um antigo casarão que desde sempre pertenceu à sua família, ele era um velho coronel da reserva que desde os tempos em que ainda estava na ativa, sempre que os seus inúmeros compromissos militares lhe davam uma folga, costumava "pegar a sua inseparável esposa Alda e sair por aí, em busca de novas e imprevisíveis aventuras", como costumava dizer...

E foi justamente por morar muito próximo a um dos mais importantes quartéis da cidade e por estar se sentindo muito incomodado com toda aquela confusão que, mesmo sem ter mais a companhia da sua amada Alda, já falecida fazia alguns anos, que ele resolveu se afastar de toda aquela balbúrdia, revivendo os seus velhos tempos de aventuras... Convidou então o jovem Vitor; um dos seus netos preferidos, para acompanhá-lo naquele final de semana até a fazenda de um primo seu, que ficava localizada no Sul de Minas, ao pé da Serra Negra lá pelas bandas da cidade de Alterosa.

Vitor era um jovem tenente, que também tinha nas veias aquele sangue de aventureiro do seu avô e que por diversas vezes já tinha participado com ele e a sua avó de algumas daquelas suas 'aventuras'... É claro que ele ficou animadíssimo com o convite, ficando combinado que partiriam já naquele final de semana.

E foi assim que na manhã daquela última sexta-feira de novembro, a bordo de um antigo e conservadíssimo Studbaker 49; um conversível de cor vinho guiado pelo seu Jonas, eles partiram em busca de aventura...

Eles chegaram lá ainda a tempo de visitar alguns amigos. E foi durante uma dessas visitas que lhes chamaram para participar de uma tradicional caçada ao porco do mato que deveria acontecer na noite do dia seguinte, coisa que eles tinham o costume de fazer de vez em quando e que resultava sempre em uma grande churrascada, regada a muita pinga e cerveja... É lógico que eles aceitaram o convite.

E já na manhã daquele sábado eles estavam super animados e com grande expectativa a respeito daquela caçada... Prepararam tudo; uma boa e bem cuidada espingarda para cada um, bornal com munição, uma lanterna para os dois e a promessa de que mais tarde alguém lhes traria também um bom 'cachorro caçador' para ajudá-los...

Até que chegou enfim o tão esperado momento; só ficou faltando mesmo foi o tal cachorro, porque tudo o mais estava simplesmente perfeito.

Formaram um grupo de doze homens, divididos dois a dois, que escolhiam em que parte da sopé da serra que iriam caçar, mas como Seu Jonas e o neto eram 'de fora'; não tiveram direito de escolha, determinaram que eles ficariam no milharal, que além de não ficar muito longe da fazenda ainda tinha uma grande chance de encontrar a caça por lá sem precisar da ajuda de um cachorro, pois haviam vestígios de que porcos do mato deviam estar costumeiramente aparecendo por lá em busca de alimento.

O Seu Jonas já conhecia muito bem aquele lugar, que ele chamava de horta porque além do milharal havia também lá uma infinidade de hortaliças à beira de um pequeno ribeirão que cortava a propriedade.

E foi depois de algum tempo de tocaia lá no milharal que o Vitor avistou ao longe, um vulto se esgueirando em meio ao milharal... Ele apontou cuidadosamente a sua espingarda para aquele vulto que se aproximava vagarosamente de onde eles se encontravam. Seu Jonas também apontou a sua para o vulto, mas logo em seguida ele baixou e comentou baixinho com seu neto: "-Você não acha que aquilo é grande demais para ser um cateto; será que é um bugio?..." Não teve nem tempo de ouvir a resposta, porque súbitamente ouviu-se dois tiros e aquele vulto, aparentemente erguendo-se nas suas patas traseiras, virou-se bruscamente e desapareeu de suas vistas em uma desabalada carreira. Se foi atingidio ou não, era impossível saber. Mas uma dúvida ficou no ar; se nem o Seu Jonas, nem o Vitor chegaram a atirar... E se eram eles os únicos que estavam caçando ali naquela noite; quem teria sido o autor daqueles disparos? Eles até que foram com a sua lanterna até o local onde tinham avistado aquele vulto, mas só avistaram mesmo foram alguns pés de milho quebrados, que formavam uma espécie de 'avenida' naquele extenso milharal, nem sinal do tal vulto...

Ainda ficaram por algum tempo 'zanzando' por lá, mas nada encontraram e retornaram de lá de mãos vazias.

Felizmente seus amigos tiveram mais sorte que eles, abateram três catetos que lhes garantiu aquela farta churrascada no domingo...

Mas foi quando comentaram sobre o que tinha acontecido no milharal na noite anterior, que eles ficaram simplesmente os deixaram pasmados... Isso porque logo depois deles terem acabado de contar o acontecido, práticamente todos os presentes ficaram 'boquiabertos' com aquela história dos dois. Foi então que o Seu Nelson; primo do Seu Jonas, disse: "- Jonas, acho que você não sabe daquele caso do filho do dono de um açougue lá do arraial, que diziam que era um lobisomem e que tinha matado os próprios pais só para ficar com o açougue e que por isso foi perseguido pela polícia e conseguiu escapar, mas que acabou sendo encontrado morto com duas balas de prata justamente naquele área onde hoje é o milharal." E completou: "-Dizem que de vez em quando; principalmente nas noites de lua cheia, ele costuma voltar lá e fica 'zanzando que nem um zumbi' para ver se encontra quem foi que o matou, só desaparecendo depois que se ouvem dois misteriosos disparos de arma de fogo..."

Depois daquela noite e daquela história, Seu Jonas nunca mais quis saber de caçadas noturnas... Dizia ele que depois daquele susto, lá ele só 'curtia' mesmo eram as tranquilas pescarias com os seus velhos amigos, naqueles rios de águas limpidas que desembocavam no velho Jequitinhonha...

Seu Jonas se foi, mas deixou saudades...