A Cabeça dos Outros é Melhor?
Hoje, é data do meu natalício. Completei 79 anos, exatos 28.835 dias, passados neste Brasil impuro, berço de pessoas honestas, mas, também, de gente indigna de nosso respeito, entre os quais destaco políticos e empresários, excetuados os bem-intencionados, contingente escasso nos dias atuais.
Escuso-me perante o leitor por ter classificado nosso país de impuro. Dói-me reconhecê-lo como tal. As evidências, todavia, e infelizmente, não deixam dúvidas. A responsabilidade por considerar o Brasil tão desavergonhadamente deve ser atribuída à considerável parcela de políticos e empresários desonestos e corruptos.
Esses entes matreiros, astuciosos, finórios, velhacos, beneficiários de vantagens ilícitas devem ser execrados pelo cidadão honesto e trabalhador. A indignidade de seus atos favorece nosso sentimento de repulsa, plenamente aceitável. Muitos deles, sabemos, eram pobres como fora Jó, mas, rapidamente, ascenderam à riqueza sem maiores esforços.
Adjetivos mais veementes poderiam ser usados como desabafo justificável para melhor qualificar essa vergonhosa escória da política e do empresariado nacional. E ainda seria pouco. Tudo a ser dito, desqualificando-os, não será suficiente para lavar a honra da pátria ultrajada.
Somos vítimas de excessivo número de canalhas, travestidos de Excelências. Excelente é algo de ótima qualidade; que é muito bom. Como, então, atribuir-lhes tal adjetivação? Recuso-me, peremptoriamente, chamá-los de Excelência. Por óbvios motivos!
Recentemente, li o conto denominado O Homem de Cabeça de Papelão, da lavra do contista Paulo Barreto, o João do Rio, nascido em 1881 e falecido em 1921. A história nos apresenta o personagem Antenor, cidadão de boa índole, apolítico, pobre e sem importância social.
Na cidade palco da narrativa, viviam pessoas pretensiosamente inteligentes, soberbas, contrapondo-se às atitudes de Antenor, que pensava livremente e agia em desacordo com as normas dos demais citadinos. Seus professores, autoproclamados sábios e inteligentes, indignavam-se por ele aprender o contrário do ensinado.
Os familiares do personagem aconselhavam-no a bacharelar-se em qualquer curso universitário. Segundo eles, na condição de bacharel ele poderia tornar-se deputado e até Ministro de Estado.
Abro um parêntese na história escrita por João do Rio, para formular uma pergunta descontextualizada: Teria a parentela do rapaz encontrado o caminho fácil para alguém se locupletar impunemente, consoante nos acontece hoje em dia, com o Brasil assaltado por agentes de governos corruptos?
Volto à história de Antenor: O rapaz não aceitava os conselhos familiares. Ele gostaria, sim, de trabalhar, atividade considerada pela família como coisa de vagabundo. Segundo deduziam, “vagabundo é o sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição, condições típicas de quem trabalha”.
Antenor chegou a pensar ser mal da cabeça. Como tomar juízo? – perguntava-se. Certa feita, deparou pelas ruas da cidade com uma placa anunciando o conserto de mecanismos de delicada precisão. Perguntado pelo motivo da visita, manifestou interesse em consertar a própria cabeça desarranjada. O competente artífice disse-lhe para deixá-la para conserto, levando por empréstimo uma cabeça de papelão.
Antenor passou a usar a cabeça de papelão. Com o uso do adereço, angariara novos amigos, ganhara pequena fortuna em negócios escusos, passara a mentir, fazer o mal, trapacear e ostentar personalidade distinta. O jovem tornara-se outra pessoa, muito bem vista por familiares e companheiros do passado em que fora considerado maluco.
Certo dia, Antenor lembrou-se de ter deixado sua cabeça para conserto. Foi procurá-la. Atendido, perguntou se havia sido reparada. Respondeu-lhe o engenhoso mestre:
– Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, com tamanha perfeição. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. O senhor tem uma cabeça de gênio!
Antenor recebeu a cabeça, mas não a quis usar. Mandou embrulhá-la, dizendo ao mestre:
– O senhor pode ser excelente profissional e ter soberba razão. Todavia, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre julgaram minha cabeça desajustada. Cabeças funcionam conforme a moral de cada país. Continuarei com a cabeça de papelão, com a qual consegui tudo na vida.
Infelizmente, certas pessoas agem e pensam pela cabeça alheia. Igualmente a Antenor, com sua cabeça de papelão. Se a sua cabeça, leitor, estiver desajustada, corrompida pelos maus exemplos da atualidade política e social dos dias atuais, não a troque por uma de papelão. Ela tem jeito, caso você decida trilhar o caminho do amor, que tudo pode. Lembre-se: O mau por si se destrói. Ao contrário do amor, que prospera.