Ravinas de Solidão
 
 
Enquanto vagar, há estrelas; E elas não consomem mais do que um pequeno pedaço de você.

Enquanto dono de algum reino - mal reinado sem flores - faço parte das avenidas e ruas semi-cobertas de anseios!

E tente passar por essas ruas crisadas, meiadas, com ameaça de fogo eterno e de esperanças tão ralas que mais parecem chocolate de criança.

Enquanto isso, não tente esconder nada, se esconda por entre tijolos entrelaçados ou faça escorrer lembranças de seu corpo como magia de circo.

Não há mais ninguém à sua volta! Os que existiram, deixaram de ser - pra que não sei -.

Se vieram, vieram pra alguma coisa: senão pra chorar, pra rir, ou prolear filhos, ou dançar-mulheres ou fazer roda num tempo que nem a folhinha - cansada - marca mais.

Se veio, veio pra alguma coisa. Não foi só pra beber e comer, dançar ao véu de estrelas ao morenar ou surrupiar do sol.

Se veio, veio pra quê? Pra ver o tempo passar? Pra fazer agenda, pra não fazer nada e depois ser informado que você jogou com a falência de dois rumos: o primeiro foi instalar sua vida numa cabana de princesas; o segundo foi procurar uma rua de domicílio duvidoso e fazer dele uma suíte quase eterna.

A qualidade de meu sentimento continua péssimo. Não sei mais entender qualquer coisa - e diga lá - coisa que se mova: até prédios visuais se locomovem ao suave ao tempo que, diga-se, não apráz e a nada leva.

Se hoje é dia de comprar é dia de festa ou de roda, ou de presentes em promoção de aniversário; é sempre bom se afastar e procurar cativeiros patrimoniais onde mulher não entra, se entra não sai e os homens se matam!

Se cascalho amêndoas vejo as horas - e elas já passaram. Grito por todos e todos se mudaram pra outro bairro de alguém.

Não há mais canção e se tivesse não seria de encantos. O tempo se foi - diga-se lá! Para reencontrá-lo tenho que mortificar minha eternidade, barganhar com os céus.

Troco tudo por dois pequenos minutos de minha infância; dou todos os pertences maltrapilhos, por três minutos de ser criança e dois por reviver e
nadar na juventude.

Mas o tempo é cruel, não barganha, não troca, não quer. Não justifica e ainda impõe.

Faço então, com toda dignidade, o que me lastra e me reduz: vou atrás dela.

E para isso basta fechar todas as portas - e que o sol não entre.

Feche os olhos e só pense nunca coisa: a ida não tem volta! O ficar amua e solta e revolta; arreios de medo de virar de uma hora para outra assunto risonho dos mortuários.

Mas se tenho que ir, que seja agora. Cinco horas. Hora da descida.

Na falta de milagres, é hora de ir pra bem longe e deixar o corpo de vintém aos que em mim, algum dia, devotaram um meigo olhar!
José Kappel
Enviado por José Kappel em 09/01/2020
Reeditado em 09/01/2020
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