Uma Força Existencial
Em recente entrevista, a veterana atriz fazia um retrospecto da carreira, que se iniciara nos longínquos anos 50, cuja recordação fez desfilar na tela mental dos espectadores a São Paulo da garoa, homens chiques e enchapelados, cruzando, apressadamente, o Viaduto do Chá, com seus distintos guarda-chuvas de cabo trabalhado, os quais ajudavam a cadenciar a marcha daquelas sóbrias e engravatadas figuras; mulheres de tailleurs justos e sapatos de saltos altíssimos, com finas meias de seda. A recordação trazia sons distantes, orquestras e salões-de-baile, vestidos de festa, sonhos, alegrias e esperanças.
A vida da atriz seguira como tantas outras, a menos da fama, que ela e o marido dividiam. Ela, mais à sombra dos holofotes, a projetar suas potentes luzes sobre o marido poeta, músico e escritor.
Vieram os espetáculos, a vida em família, o sucesso, os filhos, os netos.
No auge da chamada maturidade, adentrando a terceira e última etapa da vida, agora sem o marido, pois seguira por outros caminhos, o entrevistador não pode deixar de se referir à separação, a qual, apesar de ser considerada normal para a época, não poderia ser considerada normal para a vida e a família.
E ela, com indisfarçável emoção, pode traduzir a fala de sua principal personagem, com a inteligência e a dignidade de quem encara a vida como um grande campo de aprendizado, dizendo ser o afeto o sentimento de maior valor na vida de qualquer pessoa. E que embora uma separação desatasse muitos laços construídos ao longo da vida, o do afeto era indestrutível, e ela o levaria consigo.
Certa vez González Pecotche escreveu que sem o sentimento de amizade, a humanidade não existiria como tal. E este sentimento equivaleria ao afeto, considerado por ele uma força poderosa, um princípio fixador das relações humanas.
Naquela entrevista vi incorporada na dignidade da atriz essa força poderosa, que deve tê-la apoiado para superar os transes difíceis da vida. E de seu olhar corajoso e emocionado transcendeu o afeto, o grande sentimento a sustentar uma existência.
Nagib Anderáos Neto