Tagarelando em Campo Santo
 
O tempo foi rápido, vesgo e sem entender nada do que fazia. Me surpreendeu sua franqueza ao dizer que recebia ordens e nem dono era de si mesmo. E assim fez.

Como uma brisa suave foi tratando de levar minhas coisa rapidamente. Sem ao mesmo avisar - gritaria à bombordo: "chegou a hora" - e lá foi ele, foi lentamente ficando dono das coisas que viveram comigo.

Primeiro, adormeceu um pouco a mão direita. Como um discreto cavalheiro, fez por bem me atormentar com um sopro, e criar rusgas e manchas, sem nome, em meu rosto. Daquele dia em diante passei a usar bengalas e percorria as bordas do regato, onde estavam minha flores, mas de terrível aparência: meio manco, com os dedos paralisados e aquelas manchas de certa idade.

Não satisfeito, levou meu avô, o pai sem nome e a velha mãe. De regra, tirou de mim, tios, primos e amigos. Não satisfeito me levou o cão vadio, mas valente; como um Humprey Bogart. O sábio tempo. Depois de carregar Bill Cincinatti - o meu cão -, tratou de carregar o Panda, velho e doce gato, quebrador de louças e rasgador de linho importado.

Ele só me diz: "sou mandado, nem de mim sou dono".

E levou meu alfaiate, meu calceteiro, alguns bons inimigos, o padre da esquina e minha prostituta de cinco quarteirões.

E ao tempo perguntei: "chega agora? Por mais quanto tempo?".

- "Sim agora basta" - disse ele afogueado de alegria. "Mas breve volto, no vento mais forte".

E agora eu digo: "cuidado vocês de manga-curta, cuidado com a pança do vento. Ela vem gorda e faminta. De mangaba tem tudo, mas vive de traições".

- "Venho um dia e levo todos" - diz sombranceiro de felicidade.

- "Chegou a hora?" - pergunto. "Irei pro campo santo tagarelar nas noites infindáveis?".
José Kappel
Enviado por José Kappel em 28/12/2019
Reeditado em 06/01/2020
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