O triunfo da vontade e a derrota da razão
A diferença entre o poder conquistado pela vontade e a razão.
Triunfo da vontade [1935] é o nome do filme dirigido por Leni Riefenstahl, genial cineasta alemã, feito sob encomenda para o governo nazista. Seu título e seu conteúdo, pra mim, têm um significado profundo, porque sintetizam a força-motriz que tem resultado no domínio milenar de grupos mais organizados, motivados e cruéis, enfim, desprovidos do básico de sabedoria, especialmente a partir das civilizações. Suas vontades têm triunfado sobre os menos organizados, motivados e gananciosos. Faz total sentido lógico que tenha ocorrido e continue a ocorrer assim, até à atualidade, já que, aquele que corre atrás, supostamente, merece todos os créditos, em especial o objetivo que tanto persegue e, por essa macro-perspectiva, sempre o poder. No entanto, esta é uma lógica evolutiva entre os seres vivos não-humanos, em que pressões seletivas dos seus ambientes lhes forçam a triunfar ou a sobreviver por suas próprias e particulares vontades. Não há nada de ponderado, reflexivo, sábio, nisso, se é autômato, instintivo, auto-projetado. Apenas a vitória da força de vontade e pior, sobre a razão.. Para eles, foi assim que a natureza os constituiu e não há muito o que fazer, a não ser deixá-los à própria sorte, ao menos em relação às espécies selvagens. Em relação à humanidade, nos 'deixarmos'' sob o julgo natural da força de vontade, isto é, da sorte, sem termos buscado decididamente pela razão, tem sido bastante custoso pra nós, chegando ao ponto do perigo real de auto-aniquilamento. Séculos e mais séculos subjugados por essa lógica animalista, não poderia ter resultado, se por milagre, em conjunturas mais harmônicas do que as que temos até o momento: a espécie humana se comportando como parasitária e predatória da própria natureza de onde tira todo o seu sustento, mergulhada em sistemas culturais alienantes, primitivos e, por isso, vítima de si mesma, já que também sofre os efeitos de seu próprio parasitismo predatório, especialmente de suas ''elites''. Afinal, quem mais almeja e luta pelo poder, tende a ser megalomaníaco, ganancioso, egoísta. Os mais racionais não são apenas menos motivados para lutar pelo poder, por causa de suas perspectivas existenciais ponderadas, porque esta mútua rejeição se torna mais significativa a partir do momento em que os critérios para o domínio social são o oposto do que idealizam, que é o parasitismo, a frieza e a esperteza. Não é à toa que existe uma forte atração deles pela democracia. Nada mais racional que o poder (as riquezas) seja repartido para todos, principalmente para aqueles que, de fato, sustentam as nações. Essa situação se consiste num dos "caprichos" da natureza, em que "deus" não escreve certo por linhas tortas, mas errado mesmo, porque justamente os mais capazes de governar com sabedoria são os que mais rejeitam os critérios de governabilidade em nossos cenários idiocráticos.
Pensem na sucessão quase interminável de reis, imperadores, ditadores e governantes, ao longo da história humana, em todas as civilizações, que se tornaram detentores do poder não por suas racionalidades e sim pelo triunfo de suas vontades, de ganância e prepotência, bem como dos grupos tóxicos que representavam e/ou que representam!!
No mundo atual, onde obscurantismos brotam por todos os cantos do espectro ideológico e se fortalecem, o triunfo da vontade sobre a razão nos mostra o quão equivocado é. Basta que um grupo, independente da qualidade de sua ideologia [menos ideológica melhor, mais filosófica] e/ou intenções, persiga por um projeto de poder e consiga galgar degraus dentro de uma hierarquia social para começar a se impor aos demais. Isso nos mostra que as sociedades humanas ainda estão muito primitivas, ferais, sendo que este caráter claramente subdesenvolvido de organização, prioridades, enfim, de filosofia, só consegue ser disfarçado por toneladas de propaganda que visam esconder sua verdadeira face, de exploração e alienação.
Como resolver este gigante dilema em que os mais ponderados raramente alcançam o poder, disputado por aves de rapina???
As causas de todas as nossas mazelas são, ao mesmo tempo, simples, por serem básicas, e profundas, por estarem muito enraizadas, pois remontam, especialmente, desde a invenção da agricultura, sedentarização humana e, portanto, aparecimento das sociedades complexas.
O uso da mesma lógica de articulação, fortalecimento e objetividade, usado por grupos ideológicos desde que o mundo é mundo, deveria ser decididamente pensado para fortalecer as estruturas culturais de uma possível comunidade verdadeiramente filosófica, racional ou sábia. Isto é, justamente o uso da força de vontade, bem organizada, objetiva e fiel aos seus ideais, para (começar a) combater os múltiplos triunfos de irracionalidades concretizadas como ideologias e suas práticas culturais. Para defendermos a sanidade máxima ou a filosofia, portanto, devemos construir nossas forças coletivas, emular essa fórmula tão antiga e bem sucedida. No entanto, o histórico humano, absolutamente desolador, o presente e o futuro próximo, mostram que o desafio é muito grande e exigirá paciência e sacrifício. Será possível que grupos racionais conseguirão (ou conseguiriam) salvar a humanidade de si mesma?? Primeiro de tudo, será possível organizar grupos suficientemente grandes de indivíduos inclinados ou capazes de aceitar e trabalhar apenas com fatos [existenciais/morais e científicos]??