Sandoval e Dorinha
Dorinha deixou Sandoval no altar. Chamou-o de cachorro e disse na frente de todos os convidados, que não casaria com ele de jeito algum. O pai ficou exultante, mesmo sabendo que Dorinha estava grávida, pois nunca quis entregar a filha para Sandoval – nem para homem algum, para dizer a verdade. Ela, classe média baixa, filha de um contínuo da Caixa Econômica. Ele, rico, paulista quatrocentão, de família tradicional, um playboy acostumado a seduzir donzelas. Isto se passou lá pelos idos do final dos anos 50s e é história conhecida, contada pelo famoso Nélson Rodrigues.
O que pouca gente sabe, é o que aconteceu com estes personagens após o drama da noiva que disse não.
Hoje, com 58 anos, 8 filhos, Dorinha sobrevive como pode. Mudou-se para Rio Grande, quando o ex-marido, marinheiro carioca, foi transferido. Já foi de tudo na vida. Foi sacoleira do Paraguai, com o que acabou tendo um enorme prejuízo financeiro numa ocasião que a Polícia Federal, véspera de Natal, quando os negócios são bons, bateu no Camelódromo e levou as mercadorias, que nem estavam pagas, porque eram financiadas pelo Alcides “Gente Fina”, da Vila do Cedro, que dizem ser um dos maiores traficantes da cidade. Já foi manicura, pedicura e cabeleireira. Acabou desistindo de tudo, pela concorrência. Em cada quadra do centro da cidade tem um instituto de beleza nos tempos atuais. Tentou carreira de secretária no consultório de um médico, que acabou sendo preso por pedofilia, denunciado por um adolescente que teria sido drogado e seviciado por ele. Um escândalo. Dorinha foi entrevistada pela RBS-TV, o repórter querendo saber se ela era conivente com os estupros. Um vexame. Ela nem desconfiava do salafrário, que tinha uma pose de doutor.
O pai de Dorinha morreu num asilo de velhos, pobre e um tanto demente. Após o suicídio da filha mais nova, nunca mais se aprumou. Depois que morreu a mulher, atropelada por uma bicicleta, que corria em alta velocidade em cima da calçada e colheu a pobre coitada, que bateu com a cabeça no meio-fio, o velho entrou num silêncio total, só suspirava os seus ai-ai-ais.
Sandoval ainda engravidou mais duas meninas. Mas, tendo aprendido a lição, não quis casar com nenhuma delas, mesmo sob ameaças. Acabou em Brasília, arranjado pelo pai, onde começou a carreira política como assessor de deputado da antiga ARENA, ainda na época da ditadura militar. Depois, filiou-se a diversos partidos, conforme a necessidade exigia. Foi fazendo carreira política e hoje é respeitado Senador da República. Casou-se com uma jornalista muito mais nova, mas tem várias amantes. Ela também tem vários amantes. O casamento é de fachada, para garantir a reeleição dele e a pensão dela. Mesmo denunciado por uma revista semanal como cabeça de um grande esquema de desvio de dinheiro público, Sandoval nega tudo e circula pelos restaurantes de Brasília, com seus charutos cubanos e suas garrafas de Romanée-Conti.
O pai de Sandoval morreu de cirrose hepática em Miami, para onde havia se mudado definitivamente, após a descoberta do desfalque na empresa. Quase foi preso numa visita a Mônaco, mas conseguiu escapar subornando os policiais brasileiros que o foram buscar. A mãe de Sandoval ainda vive. Já um tanto abalada pela idade, fica obsessivamente contando suas jóias para verificar se não foi roubada. Odeia quando a chamam pelo apelido.
O filho de Sandoval e Dorinha, quando cresceu, optou por escapar da miséria de viver com a mãe em Rio Grande e foi morar com o pai em Brasília. É assessor de deputado. O pai quis que começasse por baixo para valorizar o dinheiro ganho. Um educador.