*Namoro de Antigamente

Segundo acertadamente afirma um provérbio sueco, “os jovens andam aos bandos, os adultos aos pares e os velhos sozinhos.”

Lembro-me perfeitamente quando andávamos aos bandos e mais recentemente, lendo o clássico Pérolas & Tolices de minha amiga Lena Lustosa, onde ela de forma soberba fala das invencionices das meninas de sua época.

Não faz muito tempo, conversando com outro amigo, ele me falou ter sido apaixonado por uma irmã de outro amigo comum. Como era lei na época, amigo não namorava a irmã de amigo, isso era crime inafiançável. Claro que na primeira oportunidade eu coloquei esse assunto no ouvido da moça, hoje senhora e nós nos matamos de rir! Infelizmente, ela não tem lembranças do rapaz. Era um namoro de um só. Mas deixa comigo, a qualquer hora botarei os dois cara a cara!

Na década de 1960, ( Lena data a sua Crônica nos anos 80, portanto estou há um geração inteira da dela ) namorar era uma aventura penosa. Era costume, os rapazes começarem a namorar após os dezessete anos. Além disso, havia outro problema por vezes insolúvel: O tempo. Os namorados só se encontravam no caminho da escola ou após a Missa, no domingo à noite. A Missa terminava às 20 horas e as famílias se recolhiam cedo. Assim, só dispúnhamos de uma hora de namoro, que passava voando! Somente no mês de Festejos da Padroeira (o) poderíamos demorar mais. Era um sufoco!

Por esse tempo, não tínhamos canal de televisão em Teresina e os cinemas eram uma excelente opção de encontro, contudo se o rapaz não trabalhasse, ficava tudo mais complicado. Como bancar a entrada da garota e um lanche depois? Ainda tinha outra agravante: As meninas iam sempre com uma colega ou um irmão ou irmã pequena. O escurinho do cinema acobertava os mais inocentes atrevimentos dos rapazes, que se resumia num braço no ombro da moça ou um beijo nas costas das mãos dela.

As películas da época eram baseadas nos vaqueiros (cowboy) norte-americanos, na conquista do West, onde um revolver disparava mais tiros que uma metralhadora. Só no final do filme o mocinho dava um beijo na mocinha, que nada tinha de especial, nem beijo técnico era! Haja paciência! Os filmes mais ousados eram da Brigitte Bardot, assim mesmo com a censura para menores de dezoito anos. Rememorando aquelas cenas, comparando-as com as de hoje, causa-nos uma enorme decepção.

As revistas femininas mais conhecidas eram Grande Hotel, Capricho, Contigo que traziam fotonovelas em quadrinhos e faziam a alegria das mulheres de várias idades, especialmente as jovens. Não era costume das moças lerem romances, a não ser por imposição de um professor de Literatura. O meu primeiro romance foi Adolescente de Rua, do escritor piauiense Castro Aguiar e em seguida um livro técnico A Vida Sexual de Solteiros de Casados, do jesuíta maranhense João Mohana. Ambos os escritores me causaram um impacto danado e o primeiro parecia ter sido escrito pra mim.

Rapazes e moças, de fato, andavam aos bandos. O bando da Macaúba, o bando da Capelinha de Palha... O meu bando era o dos peladeiros. Garotos que jogavam bola o dia inteiro, porque tínhamos um campo de futebol perto de casa. As primeiras influências de namoro não eram bem vistas pelos colegas, embora todos tivessem uma garota na mira. Todos queria namorar, só que a arte da conquista era-nos incipiente. Chegar perto de uma garota, demorava uma eternidade. Depois da troca de olhares havia a épocas dos bilhetinhos. Uma vez acertado o namoro, vinha outra chateação: O que dizer pra moça? Como arranjar argumento? Falar do quê? Fazíamos cartas apaixonadas, escritas em papel perfumado, mas dizer aquilo tudo, ali na bucha eram outros quinhentos!

Mesmo sem a mínima ideia do que viria a ser internet, ainda assim o boato se espalhava com a rapidez da luz e o barulho do trovão. Todos ficavam sabendo quando um colega começava um namoro. Se as meninas, segundo afirmou Lena, ensaiavam seu primeiro beijo no braço, ou até entre elas, os meninos não tinham essa preocupação, isso porque somos mesmo lerdos. Pensamos saber tudo e não sabemos nada. Chega-me à memória o caso de um padre que se casou com uma freira, ambos virgens. Na noite de núpcias travou-se uma autêntica briga de foice no truvo, era pernada para todos os lados e ninguém se entendia, mas ficou claro que ele sabia muito menos que ela...!

Os colegas queriam saber se já tinha acontecido o primeiro beijo. Esse pergunta era diária e a resposta era sempre a mesma, isso porque o beijo não viria na primeira semana, nem com reza braba:

- Que beijo que nada! Já estou querendo e desistir, nunca vi coisa tão difícil na minha vida!

A crítica era uníssona e o pensamento cruel:

- Cabra mole! Abestado! Num sabe nem namorar. Ah, se fosse comigo! A gozação não tinha limites.

Pior mesmo era quando a gente conseguia beijar a menina e contava aos colegas. Ninguém acreditava e ainda nos chamavam de mentiroso, FDP gabola, pabulista...!

Isso, entretanto, não era sem motivos. Naquele tempo não existia a nomenclatura “ficante”, mesmo assim, os jovens se estudavam nos primeiros dias. No meu caso, por exemplo, se a moça fumasse, o que era raro, não aconteceria um segundo encontro.

Certa vez, para minha desgraça total, a professora primária me colocou numa quadrilha junina e para meu maior desespero, a menina que seria minha “partner”, já tinha me mandado pastar sem que eu merecesse. Acontece que um coleguinha do diabo foi dizer pra garota que eu queria namorá-la. Eu não tinha sequer pensado no assunto. Ela ainda me mandou perguntar se na minha casa não tinha espelho! Como se isso fosse pouco, um dia vi que essa menina se mudara para a minha rua, ela que morava noutro bairro. Nunca mais minha vida foi a mesma.

A puberdade para o homem era um suplício. O sexo aparecia como uma barragem que rompe e tudo isso acontecendo quando se professavam outros valores, onde tudo era pecado e proibido. Hoje continua pecado, mas com um espírito profano condescendente. Mudança de voz só nos trazia vergonha. Descobrir que nosso corpo já produzia sêmen, não era motivo algum de festa. Tenho que manifestar agradecimentos imensos a outro jesuíta, Padre Moisés Fumagalle, meu professor de Religião e posteriormente de Deontologia, que nos deu muitas valiosíssimas informações.

É obvio que as meninas daquela época não pensavam em “transar” com os meninos. Essa palavra não existia até então. Para os rapazes, no entanto, com os hormônios se estapeando, fazendo uma convulsão constante, o pensamento divagava. Existia uma crendice de que, quem conseguisse matar um anum (pássaro) preto, torrasse o bico e depois moesse, transformando-o em pó, bastava colocar um pouquinho no local onde a menina fizesse xixi. Era uma mão na roda! Vejam só que engenharia! Eu nunca fiz, nem vi nenhum dos meus colegas com essa porção mágica, ainda assim, todos nós tínhamos uma baladeira.

A moça que tivesse a infelicidade de “avançar o sinal”, tendo sua primeira experiência sexual fora do casamento, estaria condenada para o resto de seus dias. Não sei como essa história se espalhava, já que não era do interesse dos dois. Em muitos casos se sabia quando a menina aparecia grávida e quase sempre o casamento quando acontecia, era forçado. Claro que o juiz não forçava o casamento, contudo, a prisão era a pena imposta pelo crime de sedução. Para não ir pra cadeia, o cabra casava, ainda que não vivesse. O certo era que a moça recebia um carimbo na testa: R A P A R I G A ! Doravante, todas as amigas sumiam como fumaça ao vento. Qual família queria sua filha andando com moça “solteira”? Solteira, neste caso, queria dizer solta, sem cabresto, perdida.

Minha primeira namorada surgiu como por atrapalhação do cupido. Eu tinha um comportamento paradoxal. Com os colegas eu era extremamente alegre, folgado, brincalhão, entretanto com as meninas, tímido. Esse namoro me foi num primeiro momento uma descoberta maravilhosa e um pesadelo sem tamanho depois. Após um ano e meio de namoro, do nada, sem quê nem pra quê, recebi um belo pé na bunda! Nunca entendi tamanho destemperamento. Pela forma como aconteceu e outros fatos ulteriores agregados, mudaram de verdade minha vida e não foi para melhor. Até pior que quando me apaixonei por minha lindíssima professora Teresinha Raulino de Araújo, que espero que esteja viva, maravilhosa e lendo isso, possa dar belas gargalhadas.

Hoje, estou andando aos pares e espero que não venha a andar sozinho!