Janeiro
Quando acabava de tirar o leite mais cedo o retiro, o Pai ficava contente. Tinha mania de girar pelo curral a sorrir e estalar os dedos dizendo um versinho dele mesmo: “E agora,/ mariola,/ rola-rola,/ coca-cola!”. Hoje esse verso é tão sagrado para mimo como era na época o sinal da cruz.
Égua arriada, ele me pôs na garupa, pegou uma varinha de amoreira e partimos. Foi falando pelo caminho o nome das árvores. Chegamos no sítio do Tião Cardoso mais de sete. Eu ia puxando a égua e pensando na escola. Meu pai segurando o bico-de-pato com habilidade, de certo pensava nas dívidas, nas agruras da vida do pequeno produtor rural e tentava não demonstrar toda a angústia que sentia e que eu só conheci depois de grande, quando devi dinheiro pela primeira vez.
A hora do almoço era o melhor. O café frio, na garrafa de vidro com tampa feita de palha de milho em forma de rolha. Ainda gosto de café assim. A segunda parte do dia era uma eternidade, com sol, calor e cansaço. Torcia sempre para chover e o dia de trabalho acabar mais cedo.
Às vezes conversávamos, às vezes o silêncio reinava. Nesses momentos de não-palavras, eu viajava em meus pensamentos: queria deixar aquela roça e arrumar outra coisa na cidade.
Queria conhecer o mundo, ir além daquele horizonte de serra e mato. Engraçado. Hoje me vejo na cidade que tanto busquei, entre prédios e computadores. O mundo se descortinou em minha frente, aprendi coisas que nem imaginava. No entanto...
Aquela cena, às vezes me dói muito saber, nunca mais voltará: meu pai, a terra sendo arada,
a égua a caminhar cansada e eu a olhar o horizonte de terra e céu.
O mundo era menor que hoje. Mas era mais simples.