Pero Vaz de Caminha, A república e a minha Mãe

Mamãe chegou me mostrando os frutos e disse: são os últimos. Nosso pé de tomate morreu. Olhei para as mãos dela segurando o balde cheio de tomates vermelhinhos e suculentos e agradeci. A ela, e à natureza das coisas. Automaticamente divaguei pela contradição dos dias secos e as tempestades. Considerando, é claro que meu pé de tomate está localizado na faixa intertropical, isto é, entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio, pensei que como muitas coisas em 2019, o tempo atmosférico também estava meio louco e o perdoei por isso.

No pulso, o tempo corre depressa demais e mais uma vez estamos nos aproximando do fim do ciclo dos 365 dias. Quantas rugas a menos haviam nas mãos de minha mãe em janeiro? Quantos afagos, as minhas, foram impedidas de dar esse ano? Inevitável: pensei em mim e em tudo que também morreu. E mais ainda: tudo que sobreviveu “mesmo com o nada feito, com a sala escura, com um nó no peito, com a cara dura”. Que ano pesado! – Suspirei.

Arrumei a mesa enquanto mamãe preparava a salada. “No feriado a gente planta de novo”. Ela disse. E emendou: se não plantar, não colhe. “É, mãe. Tem razão. No dia da república [pausa] a gente planta de novo”. Dizem que nesta terra, em se plantando, tudo dá! Suspirei mais uma vez pensando em como todo esse brasil, esse clima e os beijos não dados seriam mais leves se eu não transformasse tudo em reverberação, e se não fosse preciso deixar tanta coisa morrer.

#TextoDeQuinta

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 14/11/2019
Reeditado em 14/11/2019
Código do texto: T6794809
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.