Diário de Bordo (Erotismo, internet, e outras mumunhas... )

Diário de Bordo (Erotismo, internet, e outras mumunhas...)

Depois de mais um dia de trabalho, que para mim começa antes das cinco horas da manhã, do corre-corre pra cuidar do berçário de minhas três hortas de ervas, (chás, temperos, e plantas medicinais) dar conta das muitas outras tarefas aqui de Pasárgada, fui finalmente vencido pelo sono dos justos e me deixei sucumbir à sedução de Morpheus.

No intervalo entre o regador e a enxada, e moitas idas e vindas pela vastidão da roça, me dou ao desplante de poder sacar do meu precioso tablet, um modernoso papiro, e me permito sair da reclusão voluntária dessas brenhas para interagir com a aldeia global nossa de cada dia, uma forma que encontro para para preencher a minha vida espartana.

Até aí, tudo dentro do modelito de vida que eu adotei nos últimos tempos, a ladainha de sempre. Todavia, devo reportar um fato novo; fato este que me levou a reminiscências da década de setenta, do já distante século passado, quando a telefonia começou a se expandir e as pessoas passaram a trocar a comunicação via cartas pelo falar ao telefone. Como um ser sinestésico que sou, consigo facilmente colocar cores, cheiros e sabores numa voz, e o tal fato novo novo me jogou diretamente numa conversa ocorrida no citado século com uma moça de voz grave, o tom preferido, repleta de nuances que me faziam viajar, como um Marco Polo, pelo reino das possibilidades.

(...)

Vamos então ao tal fato novo antes que o mesmo se torne velho...

Há alguns anos, escrevi um texto sobre o imenso precipício que separa o erotismo da pornografia, pois, para mim, o primeiro é uma arte que se exerce com muito esmero, com a delicadeza de um pássaro a sugar o néctar de uma flor, que dá prova de vida ativa em qualquer idade que se enckntre o indivíduo, enquanto o seu antagonista, a pornografia, escorrega na ligeireza e se esfalfa na grosseria.

Fiz este preâmbulo para dizer que o tal fato novo veio de uma solitacao de contato numa rede social que eu mantenho. Até aí tudo nos conformes. Dei uma olhada no perfil da solicitante, avaliei o discurso, e pensei com meus botões: "ao primeiro escorregão, bloqueio nela."

Não demorou muito e o apito do trem comunicador da rede soou: era a previsível criatura acenando.

Eu respondi com um "Seja bem-vinda" que pretendi ser educado.

A figurinha me informou numa torrente de palavras que residia numa capital do litoral nordestino. "Na orla.", como enfatizou.

Se disse professora...

Dei corda e perguntei: "de que área?"

"De sexo oral." Disparou a minha interlocutora, digitando numa velocidade estonteante.

"Sou chuparina...", continuou a metralhadora digital.

Diante daquela saraivada pornográfica, corri ao perfil da elegante senhora para bloquear a dita. Não sem antes soltar um xiste:

"Porque não chuparina?"

Até que o dito bloqueio se efetivasse plenamente , ainda escorreu pela tela do meu pobre tablet um monte excrementos que pareciam palavras...

"Ah, seu João das camundongas, e quanto a tal da anestesia?" "O que o som e o timbre da voz tem a ver com essa palpitante história que o senhor acabou de nos contar?"

"A voz, meu caro Watson, ficou escondida no som metálico e ritmado da digitação, tal qual um carrasco que esconde o seu rosto medonho sob o embuçamento do capuz."

(...)

Caiu mais uma lenda urbana que contavam para mim, pois achei que eram só os homens que se aventuraram no terreno pantonoso da pornografia digital, e minha ingenuidade deixou a Cleópatra indignada, lá no céu dos gatos.

Olivença, madrugada de uma quarta-feira de Novembro, lua cheia de 2019.

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 13/11/2019
Reeditado em 04/05/2020
Código do texto: T6793781
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