Diário de Bordo (O Verão atropelou a Primavera. )
Diario de Bordo (O Verão atropelou a Primavera. )
Depois um longo período imerso nas atividades aqu da Cururupitanga, eis que o meu amigo-irmão Djalma insta para que eu deixe a minha reclusão voluntária e dê o ar da graça nas terras de São Jorge dos Ilhéus, com a irrecusável isca de que teríamos boa prosa permeada com pico.e de maracujá.
Claro que este sertanejo aqui não resistiria a tanta tentação, e assim que ataviei a minha mochila velha de guerra, subi na rockrider e lá fomos nós desafiar os buracos da ladeira do Tororomba, para ao final deles, usufruir das delícias dos quatorze quilômetros de praia que separam Olivença do bairro Hernani Sá, já em Ilhéus.
Devo confessar que só a necessidade inadiável de provar um picolé de maracujá picado num copo de alumínio, é capaz de me afastar das temperaturas amenas oferecidas pela combinação benfazeja de árvores. sombra e muita água que os deuses, num rasgo de generosidade, direcionaram para o reino de Pasárgada e enfrentar um calor africano, acumpliciado com um vento inimigo a segurar a minha bike, durante infindáveis sessenta minutos, ou seja, uma hora que vale por dez.
Como de hábito, aproveito o tempo gasto na pedalada para ir trabalhando mentalmente as vivências e eventos que visgaram a minha atenção, dentre as quais pincei o viver em um contato maior com a natureza, a desfrutar de minha própria companhia; um encantamento quase infantil de observar como podemos moldar o nosso habitat de acordo com nossa visão de mundo; o pecado da gula, deliciosamente cometido saboreando uma moqueca de arraia; a delícia insuperável de poder tomar água de coco e preparar um chá de erva cidreira com folhas que eu mesmo plantei; e, pra fechar o cortejo, a chuva de reclamações do povo das terras civilizadas sobre a onda de calor que os vem atingindo.
A ruminar toda essa parafernália de temas, deixei o meu olhar nadar junto com as espumas do mar, a lembrar das matanças cometidas pelo colonizador português sobre os povos indígenas que habitavam por essas bandas, e me peguei rindo maldosamente de um certo ministro da pesca que louvou a inteligência dos peixes, tão espertos que dribla o óleo criminosamente derramado em alto-mar.
Enfim, faltando vinte e cinco minutos para o meio-dia, cheguei na casa do meu amigo. E enquanto submergir num mar de picolés picados, fiz um download de uma antiga música de sir Elton John e outra do Alceu, aproveitando a boa conexão de internet do local. Logo depois do almoço fui até o Malhado, aonde fica o antigo mercado Municipal de Ilhéus, a negociar algu s cocos e comprar ferramentas para ajudar nos trabalhos da roça.
Já no final da tarde, eis que me ponho outra vez na estrada, agora com vento amigo a me empurrar em direção de casa, chegando em Olivença já ao cair da noite.
Como pecúnia desse dia tao laborioso, um banho refrescante no Cururupe e agradável sensação da endorfina a tomar conta do meu corpo.
E assim a vida corre leve e serena aqui em Pasárgada, embalada pela música que vem do mar; musica que faz as árvores dançarem voluptuosas, de rosto colado com o vento.