Prendam o mijão!


Dirigia-me à parada de ônibus costumeira na Estrada da Cacuia, quando, de um instante para outro, senti uma brutal vontade de mijar.

Fiquei apavorado. Afinal, mijar na rua dá cana, e a polícia carioca está de olho nos mijões — no último dia 9 prendeu três na Zona Sul, todos da classe média alta, e não é improvável que esteja em curso alguma ação na Ilha do Governador, de helicóptero e tudo.

Antigamente era a maior moleza. Em caso extremo, a gente corria para trás de uma árvore providencial, fingia não estar nem aí para o ar de reprovação dos transeuntes, e ficava tudo certo. Era só não olhar muito para os lados ao guardar o boneco e seguir em frente, cabeça erguida, racionalizando o caso como um pecado venial.

Nisso as mulheres sempre levaram nítida desvantagem na hora do aperto; a menos que estivessem em grupo, voltando para casa depois de uma grande farra com os amigos. Nos meus tempos de biriteiro e mijão de rua fiz muita paredinha para essas companheiras de infortúnio. Hoje são senhoras que regulam comigo em idade e têm verdadeiro pavor da minha memória de cronista.

Na literatura, temos em Vidas secas, de Graciliano Ramos, a mijada antológica de sinha Vitória atrás de uma igreja, e não me consta que por causa disso tivesse arrumado encrenca com o soldado amarelo.

Mas agora a ordem é prender os mijões, lavrar a ocorrência e levá-lo à presença do juiz. Pelo que declarou à imprensa um policial, serão fatalmente condenados a distribuir cestas básicas ou a prestar serviços comunitários em áreas carentes.

Se querem saber, acho um exagero. Mijar na rua não pode ser caso de polícia, mas sim de banheiros públicos bem-cuidados nos principais logradouros da cidade e de campanha nacional criativa, sem esculhambação moral.

Quanto a mim, aflito como estava, mijei num terreno baldio ali perto, sob o olhar solidário (mas também irônico, muito irônico) de um cão sem dono.

[17.12.2005]