VISITA INESPERADA

VISITA INESPERADA

A família do seu Nhuca amanheceu de bico. Ninguém falava com ninguém. A coisa era tão séria que o patriarca foi tomar café da manhã na feira e ao retornar ligou a tv, ficando acomodado no seu sofá. Resmungos e olhares no canto do olho iniciaram aquela manhã de terça-feira.

O motivo da desavença foi que na noite passada, metade que da família queria ver o último capítulo da novela “Mutantes da record’’, logicamente, na Record. Mas a outra metade queria ver na Cultura, o jogo do Remo, pela série D.

Fizeram sorteio, Jokempo, concurso de piada...mas não teve acordo. Não entravam em um denominador comum. Os vizinhos até se preocuparam pela discussão que exalava do recinto. Palavras não editadas eram proferidas com gosto.

Seu Nhuca já muito mordido tirou a tv da tomada e decretou que ninguém assistiria mais nada.Todos foram dormir e acordaram meio aquele...

Naquela manhã nem o cachorro latia. Silêncio sepulcral como diria Stanislaw Ponte Preta. Cada um ficou em um cômodo da casa e fingiu estar fazendo algo.Os mais velhos logo se adiantaram em conseguir algo pro almoço, pois na certa não haveria a tradicional ( e louvável) reunião à mesa da cozinha.

Mas às 11h da manhã uma visita inesperada mudou os rumos daquela manhã...

Era o primo do Nhuca que morava em São Paulo e veio passar os dias na cidade.

A filha teve que abrir aquele sorriso quando abriu o portão.

-Paaaiiii, visita....

“Mas logo hoje! Mas porém não !”, pensou o patriarca.

Os outros vieram lá de dentro já construindo um sorriso amarelo, inesperado, desregulado, inapropriado. Afinal era uma visita inesperada. Assim toda a desavença da noite anterior deveria ser engolida com água e sal. Todo o silêncio deveria , naquele momento, ser substituído por diálogos bem construídos e com uma pitada de senso de humor.

-Sente-se primo.

Assim que sentou-se, todos fizeram um semicírculo na sala e lançaram olhares afetuosos para os outros, como se a noite passada tivesse sido deletada dos seus corações, assim como todo rancor.

-Olha só, gente, vocês cresceram muito...

O filho mais velho trouxe um litrão para a visita.

-Só vou beber, se vocês beberem...

Assim todos de forma receptiva pegaram seus copos e começaram a prosear agradavelmente.

Conversaram sobre brincadeiras do passado, sobre o carro do Nhuca ( construído pelo Flash), sobre a tentativa frustrada de criar peixe no quintal ( os peixes eram roubados)...Por outro lado, a visita contou das suas dificuldades na cidade grande, da saudade do vinho de bacaba, das realizações que teve apesar de tudo...

- Tome Nhuca- puxou do bolso uma pequena quantia- e vá comprar um quilo de jutuarana.Hoje quero Jutuarana frita.

Todos sorriram ao mesmo tempo. O filho mais velho saiu para comprar...enquanto isso um litrão já fechava uma grade, ao som do bregoso da banda caferana.

O almoço foi recheado de piadas. Os rostos alegres e entusiasmados misturavam com o pirão de açaí. De forma saudosa o primo citou os jogos da Unedec, na quadra municipal; o Bicho folharal, em sua magnífica performance no carnaval; citou nomes de pessoas que contribuíram para seu crescimento pessoal...

Quando a conversa pegava uma melodia de nostalgia, com lágrimas à espreita, seu Nhuca contava alguma piada e logo o clima de tristeza era entrecortado por risos.

Depois do almoço, ele se despediu. Ficou de visitar uma tia no juaba. Abraçou, carinhosamente, cada um , prometendo retornar no natal.

Assim que dobrou a esquina da escola São João Batista, o clima amigável evaporou. A noite passada, costurada em discussão, voltou à superfície. Logo, o silencio reinou na casa; cada um pro seu canto; o rancor ficava no peito feito cordão...Afinal entre um jogo do Remo e um final de novela o melhor mesmo é desligar a tv.

Francinaldo Lacerda
Enviado por Francinaldo Lacerda em 13/10/2019
Código do texto: T6768515
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