François Villon em Marechal Hermes

 

Encontro François Villon num sebo de calçada em Marechal Hermes, à porta de uma velha quitanda falida. Poeta andarilho do falso-lúmpen de seu tempo, via-se agora imobilizado no chão, na desagradável companhia de Danielle Steel e outros diluidores, doido para que uma boa alma o arrancasse dali. Condenado à forca em 1463 pelo preboste de Paris, não deve ter sofrido tanto — como nesta calçada — enquanto aguardava atrás das grades a execução da sentença. Que lhe foi comutada, diga-se de passagem, e convertida em desterro definitivo* da cidade onde levara uma vida de vagabundagem e deboche no meio de bêbados, ladrões e prostitutas, satirizando sem piedade os maiorais do pedaço e sendo perseguido por eles. Achei que devia fazer a mesma coisa, ou seja, achei que devia seguir o exemplo das autoridades parisienses e livrar o nosso pobre Villon, como gostava de referir-se a si mesmo, da sufocação dos bestsellers que o cercavam de todos os lados. O livreiro de rua, para quem a maltrapilha edição da Gallimard de Le testament (o chamado grande testamento) era o maior encalhe de sua longa carreira no bairro, olhava-me com estranha curiosidade ao entregar-me o volume, como se eu tivesse surgido inesperadamente de um mundo paralelo. Caprichando no acinte, ainda disparou: "Se o senhor comprar outro livro, pode levar esse aí de graça." Esse aí eras tu, Villon. Um mero brinde, um alvissareiro desencalhe. Paguei dez reais pelo teu testamento poético, uma fortuna nas condições financeiras em que me encontro. Mas dorme em paz, Villon. Agora é trazer-te comigo e aprender um pouco mais com essa voz autêntica dos becos e das tavernas de Paris.


[7.9.2005]