Palavra Solta - meio outono, ou todo outono

Palavra Solta - meio outono, ou todo outono

*Rangel Alves da Costa

Ando meio outono, ou todo outono, não sei muito bem como definir minha estação. A primavera abre as portas, mas percebo em mim um monte de folhas secas, de restos empoeirados, de instantes esmaecidos, de sonhos ocres e esperanças vãs. O vento sopra forte. Ouço como se a ventania tivesse voz e dissesse que já vem em fogo e fúria. Tenho me sentido um jardim desolado, entristecido, abandonado. Aquele velho banco esquecido sou eu. Aquele pombo solitário entre as folhas secas sou eu. Aquele tapete de restos de folhagens sou eu. O anuviamento sombreado nas pastagens sou eu. A feição de tristeza em tudo, a face da melancolia, o badalar aflitivo dos sinos da igreja adiante, tudo sou eu. Haverá um canto novo e uma nova estrada. Haverá uma montanha chamando e um salmo a ser lido. Haverá o tempo de descansar a cruz carregada nas costas. Haverá a hora de beber da água fresca da fonte. Mas tal tempo ainda chegará. Segundo o Eclesiastes, tudo passa, tudo se transforma. Mas por enquanto ou apenas outono. Meio outono. Ou todo.

Escritor

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