A maldita alma de poeta
Outra vez sentado na minha poltrona velha. O quarto escuro aponta para o fato de que, enquanto o mundo dorme, eu sigo vivo e atento. Vivo porque biologicamente todas as minhas ligações celulares permanecem perfeitamente normais; atento, porque o medo não me permite baixar a guarda.
Eu queria ser como os outros. Eu queria ser igual a eles. Eu não sou. Nunca fui e ao que tudo indica, eu nunca serei. Parece ser tudo culpa dessa maldita alma de poeta que eles me dizem que tenho. Raios, pequena! Raios! Eu odeio esta alma de poeta, então. Deixem-me não sentir! Eu estou implorando: deixem-me 'assentimental', caramba.
Chamam-me louco. Eles me olham e riem. Eu sou o bobo da corte de majestades sem cortes. Diacho... Que há de tão engraçado assim em ser mediocremente ridículo como sou?
Eu sou louco. Louco. Pirado. Caduco. Eu não ligo. Chamem-me da porcaria que quiserem. Entalo no peito mil e uma palavras de baixo calão como retruque. E quem é que foi o pulha que disse que não posso ser louco? Que vá morar com o diabo, também...
"Não podes desejar o mal a ninguém, meu bem.". Arre, grandessíssima besteira. Passei a vida cuspindo fora baboseiras de amor e - todas - as fazia de bom grado. Em troca, recebi tapas de todos (eu disse todos!) os cantos da vida. Que me vale a bondade, então?
Vocês é que são injustos. E hipócritas, ouso dizer. Como é que eu poderia, então, ser outra coisa que não louco? Como eu poderia não sê-lo? Digam-me, majestades... Como? Não calem. Ou louco ou morto.
A loucura sempre competiu com a morte e a bem da verdade, o maior ato de coragem que já cometi nesta medíocre vida foi não ter aceitado a morte (mesmo que me pareça ser mais fácil). Vivi por uma decisão corajosa, mas abri mão da sanidade como única condição possível.
Eu não estou bem. É, não estou. E já faz um certo tempo... Eu não estou, mas sigo louco. Ninguém me ajuda nem pode me ajudar e o fim... Bem, o fim está próximo. E se não estiver, talvez chegou a hora de eu mesmo o fazê-lo estar.
É madrugada. Todos dormem. Eu estou - calado - pedindo socorro. Isto é um pedido de socorro. A morte está para me alcançar e vocês estão me aplaudindo.