Um diálogo com um motorista de Uber
Um dia estive infeliz, diante dos enfrentamentos do cotidiano profissional, e passei a ficar reflexivo, o que não é tão difícil para quem já tem essa predisposição genética. Peguei então um Uber, fato cotidiano de quem advoga em seu início de carreira, e que no entanto não possui ainda o seu carro próprio. Não sou especial, e possivelmente tenho uma condição média melhor do que a de muitos brasileiros. Sou solidário na luta da sobrevivência de nosso povo, embora tão pouco eu possa efetuar. No entanto, lá estava eu ao lado do motorista do Uber. Passei a recitar versos do Fernando Pessoa, notadamente o poema em linha reta. Conheço-o de cor: "Nunca conheci quem tivesse levado porrada, Todos os meus conhecidos são campeões em tudo!". Continuava a recitar os versos e ensinando um pouco do próprio poema: “Este verso deste poema é muito cru, e de modo espetacular o poeta se auto ironizava, demonstrando todas as suas pequenas falhas no mundo, ao mesmo tempo em que indagava de como não existiam mortais no mundo. "Podem as mulheres terem os traídos, mas ridículos nunca". Continuei realizando o exercício de interpretação do poema com o motorista e senti que o meu condutor assim assimilava. Encurtarei a minha história. Ao final, de tantos poemas e reflexões efetuadas durante a viagem, em certo ponto o meu agora interlocutor-aprendiz realizou a seguinte pergunta: " Como é mesmo o nome do poema? Eu quero pesquisar, achei-o muito interessante!". Ao sobredito fim, então, pude escutar as seguintes palavras: " Você está me incentivando a ler!". Fiquei feliz e encantado, podendo, um pouco que seja, ter ajudado ao despertar do maravilhamento da leitura para este motorista, esquecendo até mesmo um pouco de meus problemas profissionais.